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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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COISA-EM-SI 152 COISA-EM-SI<br />

mento. Nem a expressão, nem a noção são<br />

próprias e originárias <strong>de</strong> Kant, como comumente<br />

se crê, mas representam "a convicção<br />

dominante <strong>de</strong> toda a <strong>filosofia</strong> do séc. XVIII"<br />

(CASSIRER, Erkenntnissproblem, VII, 3; trad. it., II,<br />

pp. 470 ss.). A origem <strong>de</strong>ssa noção po<strong>de</strong> estar<br />

em Descartes, que, em Princípios <strong>de</strong> <strong>filosofia</strong><br />

(II, 3), assim se exprime: "Será suficiente observar<br />

que as percepções dos sentidos referem-se<br />

apenas à união do corpo humano com o espírito<br />

e que, enquanto <strong>de</strong> ordinário nos mostram<br />

aquilo que nos possa prejudicar ou ajudar nos<br />

corpos externos, não nos ensinam absolutamente,<br />

mas só ocasional e aci<strong>de</strong>ntalmente, o<br />

que tais corpos são em si mesmos". Essa distinção<br />

entre as "C.-em-si mesmas" e as "C. em<br />

relação a nós", isto é, como objetos <strong>de</strong> nossas<br />

faculda<strong>de</strong>s sensíveis, torna-se lugar-comum na<br />

<strong>filosofia</strong> do Iluminismo. D'Alembert (Élém. <strong>de</strong><br />

pbil., § 19), Condillac (Logique, 5), Bonnet<br />

(Essai analytique, § 242) repetem-na quase<br />

com as mesmas palavras, e Maupertuis (Lettres,<br />

IV) a expressa em termos tais que Schopenhauer<br />

teve a impressão <strong>de</strong> que Kant o plagiara.<br />

"Des<strong>de</strong> que estejamos convencidos", diz<br />

Maupertuis, "<strong>de</strong> que entre nossas percepções<br />

e os objetos externos não subsiste nenhuma<br />

semelhança nem nenhuma relação necessária,<br />

<strong>de</strong>veremos admitir também que tais percepções<br />

não passam <strong>de</strong> simples aparência. A extensão,<br />

que costumamos consi<strong>de</strong>rar como o<br />

fundamento <strong>de</strong> todas as outras proprieda<strong>de</strong>s,<br />

e que parece constituir sua verda<strong>de</strong> íntima, em<br />

si mesma nada mais é do que fenômeno" (Cf.<br />

SCHOPENHAUER, Die Welt, II, p. 57).<br />

Nesse ponto, como em muitos outros, Kant<br />

não fez senão inspirar-se na orientação geral<br />

do Iluminismo. Todavia, em sua doutrina, como,<br />

aliás no Iluminismo, o conceito <strong>de</strong> C.-emsi<br />

não permanece um simples lembrete da<br />

limitação do conhecimento humano e uma<br />

advertência para afastar o homem das especulações<br />

metafísicas. Aclara-se, mais precisamente,<br />

como um instrumento técnico para circunscrever<br />

os limites do conhecimento humano. Do<br />

começo ao fim <strong>de</strong> Crítica da Razão Pura, Kant<br />

repete que o conhecimento humano é conhecimento<br />

cie fenômenos, não <strong>de</strong> C.-em-si, já que<br />

ele não se baseia na intuição intelectual (para<br />

a qual ter as C. presentes significaria criá-las),<br />

mas na intuição sensível, para a qual as coisas<br />

são dadas sob certas condições (espaço e tempo).<br />

De acordo com essa diretriz fundamental,<br />

Kant, após haver estabelecido a possibilida<strong>de</strong><br />

do conceito <strong>de</strong> C.-em-si (ou númeno), passa a<br />

distinguir uma doutrina positiva e uma doutrina<br />

negativa dos númenos. "O conceito <strong>de</strong> um<br />

númeno, isto é, <strong>de</strong> uma C. que <strong>de</strong>ve ser pensada<br />

não como objeto dos sentidos, mas como coisa-em-si<br />

(unicamente para o intelecto puro),<br />

não é em nada contraditório, já que não se<br />

po<strong>de</strong> afirmar que a sensibilida<strong>de</strong> seja o único<br />

modo <strong>de</strong> intuição". Isso posto, se enten<strong>de</strong>rmos<br />

por númeno "o objeto <strong>de</strong> uma intuição não<br />

sensível", isto é, criadora ou divina, teremos o<br />

conceito <strong>de</strong> númeno em sentido positivo. Mas<br />

na realida<strong>de</strong> esse conceito é vazio, porque nosso<br />

intelecto não po<strong>de</strong> esten<strong>de</strong>r-se além da experiência<br />

senão problematicamente, isto é, não<br />

com a intuição nem com o conceito <strong>de</strong> uma<br />

intuição possível. Portanto, "o conceito <strong>de</strong> número<br />

é só um conceito-limite (Grezbegriff),<br />

para circunscrever as pretensões da sensibilida<strong>de</strong>,<br />

portanto <strong>de</strong> uso puramente negativo" (Crít.<br />

R. Pura, Analítica dos princípios, cap. III). Essa<br />

função puramente negativa da C.-em-si permaneceu<br />

como um dos princípios da doutrina<br />

kantiana do conhecimento, porque garante,<br />

nela, o caráter finito (isto é, não-criativo) do conhecimento<br />

humano.<br />

Entretanto, a <strong>filosofia</strong> pós-kantiana assinala<br />

a rápida <strong>de</strong>struição <strong>de</strong>sse conceito. Já as Cartas<br />

sobre a <strong>filosofia</strong> kantiana (1786-87) <strong>de</strong> Reinhold,<br />

que faziam uma exposição do criticismo<br />

que, durante muito tempo, serviu <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

para a interpretação do próprio criticismo, reduzindo<br />

o fenômeno a representação, tornavam<br />

dúbia ou problemática a função da C.-emsi;<br />

<strong>de</strong>pois, esta era explicitamente negada, por<br />

Schulze e Maimon, com base em sua incognoscibilida<strong>de</strong>.<br />

Mas quem começou a extrair<br />

conseqüências <strong>de</strong>ssa negação foi Fichte: este<br />

viu que, eliminada a condição limitativa, constituída<br />

pela C.-em-si, o conhecimento humano<br />

tornava-se criador não só da forma, mas também<br />

do conteúdo da realida<strong>de</strong> que constitui<br />

seu objeto, transformando-se naquela "intuição<br />

intelectual" que Kant atribuía somente a Deus,<br />

fazendo do sujeito <strong>de</strong>la, isto é, do Eu, um princípio<br />

infinito (Wissenschaftslehre, 1794, § 4).<br />

Essas transformações marcam a transição do<br />

criticismo, que é <strong>filosofia</strong> <strong>de</strong> tipo iluminista, ao<br />

romantismo(v.), que é uma <strong>filosofia</strong> do inifinito.<br />

O romantismo assinalava o crepúsculo <strong>de</strong>finitivo<br />

da doutrina da C.-em-si, que fora a insígnia<br />

do iluminismo porque servira para exprimir<br />

a limitação fundamental do conhecimento<br />

humano. A noção <strong>de</strong> incognoscíveliy.), que o

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