22.06.2013 Views

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

DEVERSER 267 DEVERSER<br />

ferências sem motivo, a doutrina do D., que<br />

transformava Kant em poeta ("Dever! Nome<br />

sublime e gran<strong>de</strong> que nada contém <strong>de</strong> agradável<br />

que possa adular, mas <strong>de</strong>sejas a submissão;<br />

que todavia não ameaças nada etc", Crít. R.<br />

Pratica, I, 1, cap. 3), per<strong>de</strong>u quase todo o prestígio,<br />

sem todavia ser substituída por algo <strong>de</strong><br />

mais racional.<br />

DEVER-SER (gr. xò ôéov; in. Oughtness; fr.<br />

Devoirêtre, ai. Sollen; it. Dover esseré). O possível<br />

normativo: aquilo que é bom que aconteça<br />

ou que se po<strong>de</strong> prever ou exigir com base em<br />

uma norma. Platão dizia que, se é verda<strong>de</strong>ira a<br />

doutrina <strong>de</strong> Anaxágoras, <strong>de</strong> uma Inteligência<br />

que or<strong>de</strong>na o mundo do melhor modo, então<br />

"o bem e o <strong>de</strong>ver-ser sustentam e agregam todas<br />

as coisas" (Fed., 99c). Na <strong>filosofia</strong> mo<strong>de</strong>rna,<br />

essa noção foi ilustrada por Kant, que diz: "O<br />

D.-ser exprime uma espécie <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> e<br />

uma relação com princípios que não se verificam<br />

absolutamente na natureza. Nesta, o intelecto<br />

po<strong>de</strong> conhecer só o que é, foi ou será. É<br />

impossível que alguma coisa <strong>de</strong>va ser diferente<br />

do que foi <strong>de</strong> fato em suas relações temporais.<br />

Quando se observa o curso da natureza, o D.ser<br />

não tem o menor significado. Não po<strong>de</strong>mos<br />

perguntar o que <strong>de</strong>ve acontecer na natureza,<br />

assim como não po<strong>de</strong>mos procurar saber que<br />

proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ve ter o círculo, mas apenas o<br />

que acontece nela, ou quais proprieda<strong>de</strong>s este<br />

possui. O D.-ser exprime uma ação possível,<br />

cujo princípio é apenas um conceito, ao passo<br />

que o princípio <strong>de</strong> uma ação natural só po<strong>de</strong><br />

ser um fenômeno. É verda<strong>de</strong> que a ação <strong>de</strong>ve<br />

ser possível nas condições naturais se o D.-ser<br />

visar a elas; mas tais condições não atingem a<br />

<strong>de</strong>terminação do arbítrio, mas apenas o efeito<br />

e a conseqüência <strong>de</strong>la no fenômeno" (Crít. R.<br />

Pura, Dial., cap. II, seç. 9, § 3). Essas <strong>de</strong>terminações<br />

<strong>de</strong> Kant <strong>de</strong>ixam claro que a esfera do<br />

D.-ser é a ação humana: o D.-ser, que não tem<br />

sentido no mundo natural, é o princípio do<br />

mundo humano. Mas esse reconhecimento<br />

eqüivale a admitir que, no mundo humano, a<br />

distinção entre o que acontece <strong>de</strong> fato e o que<br />

se po<strong>de</strong>ria esperar que acontecesse, a partir<br />

das normas que o regulam, <strong>de</strong>ve manter-se<br />

constante. On<strong>de</strong> é reconhecido ou introduzido<br />

o D.-ser obviamente é reconhecida e introduzida<br />

a sua diferença possível em relação ao<br />

ser <strong>de</strong> fato, bem como a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgar<br />

este em relação àquele. Assim se explica por<br />

que Hegel, que põe como princípio <strong>de</strong> sua<br />

<strong>filosofia</strong> a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre real e racional, nega<br />

qualquer função ao D.-ser e consi<strong>de</strong>ra-o mero<br />

fantasma. "À realida<strong>de</strong> do racional", diz ele,<br />

"contrapõe-se, <strong>de</strong> um lado, a visão <strong>de</strong> que as<br />

idéias e os i<strong>de</strong>ais são apenas quimeras e que a<br />

<strong>filosofia</strong> é um sistema <strong>de</strong>sses fantasmas cerebrais,<br />

e, <strong>de</strong> outro, a visão <strong>de</strong> que as idéias e os<br />

i<strong>de</strong>ais são algo excelente <strong>de</strong>mais para ter realida<strong>de</strong><br />

ou impotente <strong>de</strong>mais para atingi-la. Mas a<br />

separação entre realida<strong>de</strong> e idéia é muito apreciada<br />

pelo intelecto, que consi<strong>de</strong>ra verazes os<br />

sonhos <strong>de</strong> suas abstrações e tem muito orgulho<br />

<strong>de</strong> seu D.-ser, que apregoa <strong>de</strong> bom-grado até<br />

mesmo no campo político, como se o mundo<br />

houvesse esperado esses ditames para apren<strong>de</strong>r<br />

como <strong>de</strong>ve ser e não é: pois se fosse como<br />

<strong>de</strong>ve ser, aon<strong>de</strong> iria parar o pedantismo <strong>de</strong>sse<br />

D.-ser?" (Ene, § 6). As obras <strong>de</strong> Hegel <strong>de</strong>moramse<br />

muitas vezes em observações irônicas e sarcásticas<br />

sobre o <strong>de</strong>ver-ser que não é, sobre o<br />

i<strong>de</strong>al que não é real, sobre a razão que se supõe<br />

impotente para realizar-se no mundo.<br />

Segundo ele, a <strong>filosofia</strong> não tem a tarefa <strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rar o que <strong>de</strong>ve ser, mas o que é "real<br />

e presente" (Ibid., § 38). É como a coruja <strong>de</strong><br />

Minerva, que começa a voar no crepúsculo, ou<br />

seja, chega sempre tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais, quando a realida<strong>de</strong><br />

já cumpriu o seu processo <strong>de</strong> formação<br />

e está pronta (Fil. do dir., Pref.). Em outras<br />

palavras, não cabe à <strong>filosofia</strong> outra tarefa senão<br />

reconhecer, justificar e exaltar como "racionalida<strong>de</strong><br />

absoluta" o fato consumado. Trata-se, em<br />

substância, <strong>de</strong> uma recusa da <strong>filosofia</strong> <strong>de</strong> inserir-se<br />

na realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> valer como sua força<br />

modificadora e diretiva. Essa recusa foi típica<br />

da <strong>filosofia</strong> romântica, que, segundo expressão<br />

do próprio Hegel, quis "estar em paz com<br />

a realida<strong>de</strong>" e abdicou da tarefa assumida pela<br />

<strong>filosofia</strong> do lluminismo, <strong>de</strong> transformar a realida<strong>de</strong>.<br />

A atitu<strong>de</strong> em face do D.-ser é, portanto, a<br />

pedra <strong>de</strong> toque das <strong>filosofia</strong>s contemporâneas,<br />

porque revela se elas se orientam segundo a tradição<br />

iluminista, clássica e renascentista, ou segundo<br />

a tradição romântica, helenística e<br />

medieval. Mas é necessário lembrar que nem<br />

sempre a importância predominante atribuída<br />

à noção <strong>de</strong> D.-ser é sinal do caráter clássicoiluminista<br />

<strong>de</strong> uma <strong>filosofia</strong>. A chamada <strong>filosofia</strong><br />

dos valores do século passado, que conta entre<br />

seus representantes principais com Win<strong>de</strong>lband<br />

e Rickert, fez do <strong>de</strong>ver-ser o centro da sua especulação,<br />

mas o transformou em uma realida<strong>de</strong><br />

suigeneris, o valor (v.) ou sua consciência, consi<strong>de</strong>rada<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> suas manifestações

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!