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Dicionario de filosofia.pdf - Charlezine

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EXPERIÊNCIA 407 EXPERIÊNCIA<br />

E. como se tivessem uma ciência perfeita",<br />

comportando-se "como um tirano soberbo". O<br />

médico cios homens livres, ao contrário, "estuda<br />

as doenças, mantém os doentes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

princípio em observação, procura a natureza<br />

do mal, estabelece relações estreitas com o<br />

doente e com seus familiares e, ao mesmo tempo,<br />

apren<strong>de</strong> com os doentes e ensina-lhes o<br />

que é possível" (Leis, IV, 720 c-d). O empirismo<br />

mo<strong>de</strong>rno consi<strong>de</strong>raria compatível com a E. precisamente<br />

o comportamento que, nesse trecho,<br />

Platão contrapõe à própria E. Mas essa observação<br />

mostra a diferença que separa os dois significados<br />

<strong>de</strong> E. aqui enunciados. Aristóteles<br />

<strong>de</strong>u forma clássica a essa doutrina no primeiro<br />

capítulo <strong>de</strong> Metafísica e no último <strong>de</strong> Analíticos<br />

posteriores. Sua tese fundamental é a redução<br />

da E. à memória. Aristóteles diz que todos<br />

os animais têm "uma capacida<strong>de</strong> seletiva inata",<br />

que é a sensação. Em alguns <strong>de</strong>les, a sensação<br />

não persiste; para estes, não há conhecimento<br />

fora da sensação. Outros, porém, finda a<br />

sensação, po<strong>de</strong>m conservar alguns vestígios<br />

<strong>de</strong>la na alma. Nesse caso, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitas<br />

sensações <strong>de</strong>ssa natureza, <strong>de</strong>termina-se em<br />

alguns animais uma espécie diferente <strong>de</strong> conhecimento,<br />

que é o conhecimento racional.<br />

De fato, "a partir da sensação <strong>de</strong>senvolve-se<br />

aquilo que chamamos <strong>de</strong> lembrança, e da lembrança<br />

repetida <strong>de</strong> um mesmo objeto nasce a<br />

E., assim, lembranças que são numericamente<br />

múltiplas constituem uma experiência. Dessa<br />

E. ou do conceito universal que se fixou na<br />

alma como uma unida<strong>de</strong> que, estando além da<br />

multiplicida<strong>de</strong>, é una e idêntica em todas as<br />

coisas múltiplas, nasce o princípio da arte e da<br />

ciência: da arte, em relação ao <strong>de</strong>vir; da ciência,<br />

em relação ao ser" (An. post., II, 19, 100 a<br />

4). Assim entendida, a E. contrapõe-se à arte e<br />

à ciência, ao mesmo tempo em que é condição<br />

<strong>de</strong>las. É condição <strong>de</strong>las porquanto é ela que<br />

suscita a inteligência dos primeiros princípios<br />

da arte, da ciência. "Esses hábitos", diz Aristóteles,<br />

"não subsistem em nós separadamente,<br />

nem são produzidos por outros hábitos mais<br />

cognoscitivos, mas pela própria sensação, do<br />

mesmo modo como, p. ex., se um exército está<br />

fugindo e um soldado pára, pára também o soldado<br />

que o segue e <strong>de</strong>pois o outro, e assim por<br />

diante, até o princípio da fila" (An. post., II, 19,<br />

100 a 9). Nessa comparação, a parada do primeiro<br />

soldado é a permanência <strong>de</strong> certa sensação<br />

na memória (p. ex., do homem Cálias), a<br />

parada <strong>de</strong> outro soldado <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias filas<br />

já é um conceito (p. ex., homem), e a parada<br />

do princípio da fileira correspon<strong>de</strong> aos conceitos<br />

últimos e simples, que são os princípios da<br />

arte e da ciência e intuições pelo intelecto<br />

(Ibid., II, 19, 100 a 9). Note-se que o próprio<br />

uso do verbo "parar" com que Aristóteles expressa<br />

a persistência ou a estabilida<strong>de</strong> da lembrança<br />

— que constitui a E. e por fim leva à inteligência<br />

dos princípios — correspon<strong>de</strong> àquilo<br />

que é a característica objetiva da E.: a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> repetir as situações. Pela ação condicionante<br />

que a E. exerce sobre a inteligência<br />

dos princípios, Aristóteles chega a dizer que<br />

"conseguimos reconhecer os princípios primeiros<br />

com a indução; e, com efeito, a sensação<br />

produz <strong>de</strong>sse modo o universal" (Ibid., 100 b 3<br />

ss.). Mas é claro que entre um soldado qualquer<br />

parar e a primeira fila <strong>de</strong> soldados parar<br />

há uma diferença radical: a parada da primeira<br />

fila é a inteligência dos primeiros princípios,<br />

que são necessariamente verda<strong>de</strong>iros, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> qualquer confirmação que a E.<br />

possa dar. Eles são, aliás, indiferentes à confirmação<br />

ou à refutaçâo e justamente por isso<br />

são objeto <strong>de</strong> um órgão específico, que é o<br />

intelecto. O reconhecimento <strong>de</strong>sse órgão obviamente<br />

é sugerido a Aristóteles pela exigência<br />

<strong>de</strong> fundar a valida<strong>de</strong> necessária dos primeiros<br />

princípios, ou seja, <strong>de</strong> tornar esses princípios<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> qualquer confirmação ou refutaçâo<br />

empírica. Esta estabelece o quase sempre,<br />

não o sempre. Portanto, em face da inteligência,<br />

que apreen<strong>de</strong> os princípios, o processo<br />

preparatório que vai das sensações à E. é puramente<br />

aci<strong>de</strong>ntal e só apresenta a vantagem <strong>de</strong><br />

ser o mais cômodo e óbvio para o homem. Mas<br />

para Aristóteles a E. permanece o que era para<br />

Platão: consiste em conhecer o fato que ocorre<br />

repetidamente, mas não a razão pela qual ocorre:<br />

assim, é conhecimento do particular e não<br />

do universal, <strong>de</strong> tal modo que saber e conhecer<br />

cabem à arte e à ciência, não à E. (Met., I, 1,<br />

981 a 24). Portanto, em Aristóteles está totalmente<br />

ausente a noção (própria do significado<br />

2-, <strong>de</strong> E. como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificação e<br />

<strong>de</strong> averiguação das verda<strong>de</strong>s alcançáveis pelo<br />

homem. Aristóteles não po<strong>de</strong>, portanto, ser<br />

chamado empirista. Para ele, a E. se reduz à<br />

repetição freqüente, mas não absolutamente<br />

constante <strong>de</strong> certas situações memorizáveis.<br />

Ao longo da história da <strong>filosofia</strong>, esse conceito<br />

<strong>de</strong> E. permanece como uma das alternativas<br />

possíveis, cujas características às vezes<br />

também influenciam o outro conceito. Os

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