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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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Faz votos de que o caminho seja longo./ Numerosas serão as manhãs de verão/ nas quais, com que<br />

prazer, com que alegria,/ tu hás de entrar pela primeira vez um porto/ para correr as lojas dos<br />

fenícios/ e belas mercancias adquirir:/ madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,/ e perfumes sensuais<br />

de toda espécie,/ quanto houver de aromas deleitosos./ A muitas cidades do Egito peregrina/ para<br />

aprender, para aprender dos doutos./ Tem todo o tempo Ítaca na mente./ Estás predestinado a ali<br />

chegar./ Mas não apresses a viagem nunca./ Melhor muitos anos levares de jornada/ e fundeares na<br />

ilha velho enfim,/ rico de quanto ganhaste no caminho,/ sem esperar riquezas que Ítaca te desse./<br />

Uma bela viagem deu-te Ítaca./ Sem ela não te ponhas a caminho./ Mais do que isso não lhe cumpre<br />

dar-te.// Ítaca não te iludiu, se a achas pobre./ Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,/ e<br />

agora, sabes o que significam Ítacas (Kaváfis, 1982: 118-119).<br />

Na expressão de Kaváfis a viagem transforma-se em peregrinação na procura de<br />

redenção, de conhecimento ou, simplesmente, de lazer. No entanto, para o imigrante a<br />

viagem não é um fim em si mesmo, senão que ela é o meio para chegar ao lugar onde se<br />

encontra o trabalho, cuja procura causou que se empreendesse a viagem. A Ítaca do<br />

imigrante é, pois, a sua vaga no emprego.<br />

A “terceira margem do rio”, metáfora criada por João Guimarães Rosa em um conto<br />

homônimo, pode ser aplicada para compreender a desorientação do migrante. O conto narra<br />

a história de um homem que, de súbito, faz construir uma canoa e passa a habitar na<br />

terceira margem de um rio. Elena Pájaro Peres intitulou o seu estudo sobre a imigração<br />

galega em São Paulo no período de 1946 a 1964 de A inexistência da terra firme. A obra é<br />

introduzida com uma citação desse conto do escritor mineiro. A historiadora menciona,<br />

como se segue, a necessidade de se entender a estranha circunstância dos imigrantes que<br />

gera a residência deles em um limbo:<br />

Pretendo, enfim, que este meu trabalho seja uma forma de dialogar com os protagonistas dessa<br />

história, ocultados tantas vezes pelos discursos impregnados de ideologia dos representantes do<br />

poder institucionalizado, que se utilizaram e continuam se utilizando dos imigrantes como objetos de<br />

propaganda política, ora em nome da brasilidade, ora da hispanidade, da galeguidade, do franquismo,<br />

do antifranquismo. Que eles possam saltar aos nossos olhos com toda a sua inefável rusticidade,<br />

plena de significados, criadora de formas de sobrevivência no novo meio. Situada entre as margens<br />

de projetos político-culturais hegemônicos, a história dos imigrantes galegos em São Paulo deve ser<br />

literários galegos: “Vários poetas retomam o mito de Penélope, como representação da Galiza, mas agora de<br />

outra perspectiva: Xohana Torres, por exemplo, do ponto de vista da recusa da passividade como forma de<br />

ação própria e adequada à mulher; outros, revistando Ulisses, a viagem iniciática necessária para a<br />

recuperação da identidade perdida, tanto no nível individual como coletivo. [...] Aqui convém observar como<br />

o símbolo por excelência da viagem iniciática de caráter nostálgico, Ulisses, renovado embora por visões mais<br />

recentes, como a de Kaváfis, acaba por contaminar o próprio discurso crítico [...]”.<br />

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