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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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É o sujeito apelidado Benedicto X quem aconselha Casais conhecer dois tipos de<br />

candomblé, os genuínos – “clásicos” – e os modernos – “mixtificados” –. E, para tal, Casais<br />

vai ao encontro do pai-de-santo Pedrinho (“vamos a conocerlo por este nombre supuesto”<br />

Casais, 1940: 77), o seu segundo entrevistado, a quem lhe comenta os seus desejos de<br />

assistir a um candomblé 443 . Esse pai-de-santo não só consente que Casais assista a um<br />

443 Doze anos depois de Casais, Albert Camus esteve no rio de Janeiro e em Salvador da Bahia. De junho a<br />

agosto de 1949, Camus viajou pela América do Sul. Essa foi a sua segunda viagem americana. Antes, de<br />

março a maio de 1946, ele estivera nos Estados Unidos. Depois da sua turnê pela América do Sul, Camus não<br />

aceitará mais convites para participar em eventos no ultramar e, fora da França, só ministrará palestras na<br />

Itália e na Grécia. As suas impressões durante a estadia na América do Sul foram registradas por Camus em<br />

um caderno e, na sua primeira publicação, em 1978, bem depois da morte do escritor, ocuparam um mesmo<br />

volume com as impressões anotadas na viagem aos Estados Unidos. Nós utilizamos a 3ª edição da tradução<br />

brasileira, Diário de viagem – a visita de Camus ao Brasil (Camus, 1985). Na Introdução da primeira edição<br />

francesa, traduzida na edição por nós usada, R. Quilliot advertira em relação ao estado de ânimo de Camus<br />

durante as suas viagens pelos Estados Unidos e alguns países da América do Sul que “se lhe ocorre divertirse,<br />

na maioria das vezes fica irritado com as múltiplas obrigações desse tipo de périplo: encontros variados, e,<br />

muitas vezes, decepcionantes; tudo é feito para irritar um homem que sabe contudo que ao aceitar essa<br />

viagem aceitara também esses encargos. Da mesma forma, ver-se-á Camus submeter-se voluntariamente,<br />

mas, no fundo, com má vontade, a um programa excessivamente sobrecarregado e de interesse diverso”<br />

(Camus, 1985: 11). No Rio, comunica-se com ele Abdias do Nascimento, à época diretor do Teatro<br />

Experimental do Negro, que ia encenar o Calígula, de Camus, com um elenco só de negros. Abdias do<br />

Nascimento tornar-se-ia, no desenvolvimento da sua carreira profissional, escritor, jornalista e político. Mas,<br />

então, entra em contato com Camus para solicitar a sua colaboração na direção de Calígula e convida-o a<br />

conhecer uma cerimônia de candomblé. A esse convite refere-se, assim, Camus (1985: 77): “Sobretudo, os<br />

jovens de um grupo negro que querem montar Calígula e com quem me comprometo a trabalhar. Depois,<br />

isolo-me com um deles, que fala espanhol, e com o meu terrível espanhol, concordo em ir a um baile negro no<br />

domingo”. A narração da sua participação no candomblé intitula-se Pai dos Santos, mas a tradutora [Valerie<br />

Rumjanek Chaves] decidiu escrever “Uma macumba no Brasil”. Camus, ao contrário de Casais, não previra<br />

uma ida a essas cerimônias. De fato, do seu relato interpreta-se que não sabia nada a respeito delas. Ele tão só<br />

aceita o convite e deixa-se levar. A narração é uma crônica constituída pelas observações de Camus durante a<br />

sua experiência no candomblé. Trata-se de uma prosa que, supostamente, pretendeu ser lida como um retrato<br />

realista do acontecido, sem que o autor queira que se note que ele se tenha surpreendido ou maravilhado<br />

perante o que viu. Nesse sentido, parece que Camus prestou atenção ao que viu, mas o espetáculo cansou-o e<br />

quase o aborreceu. Essa crônica termina assim: “Uma branca gorda, com uma cara animal, uiva sem parar,<br />

mexendo a cabeça da direita para a esquerda. Mas umas jovens negras entram no transe mais terrível, com os<br />

pés colados ao chão, e o corpo todo percorrido por sobressaltos cada vez mais violentos, à medida que sobem<br />

para os ombros. A cabeça – esta se agita da frente para trás, literalmente decapitada. Todos gritam e urram.<br />

Depois, as mulheres começam a cair. Levantam-nas, apertam-lhes a testa, e elas recomeçam, até tornarem a<br />

cair. Atinge-se o auge no momento em que todos gritam, com estranhos sons roucos, que lembram latidos.<br />

Dizem-me que isto irá continuar até o amanhecer, sem mudanças. São 2 horas da manhã. O calor, a poeira e a<br />

fumaça dos charutos, o cheiro humano, tornam o ar irrespirável. Saio, trôpego, e respiro afinal deliciado o ar<br />

fresco. Amo a noite e o céu, mais do que os deuses dos homens” (Camus, 1985: 94). Uma noite, Abdias do<br />

Nascimento leva também Camus a dançar samba em um bairro carioca afastado. Essa noitada resultou a<br />

Camus decepcionante. Consideramos que a crônica que redigiu sobre ela (Camus, 1985: 95-96) é uma<br />

negação do exotismo e uma desiludida comprovação da ausência de traços diferenciais do que, aos olhos de<br />

outros observadores, poderia se apresentar como um quadro típico da cultura popular brasileira: “Nada<br />

diferencia esse dancing de mil outros pelo mundo afora, a não ser a cor da pele. A esse respeito, observo que<br />

tenho que vencer um preconceito inverso. Amo os negros a priori e fico tentado a ver neles qualidades que<br />

não têm. Gostaria de achar estes bonitos, mas imagino que sua pele seja branca e descubro então uma bastante<br />

bela coleção de ‘caixeiros’ e de empregados ‘dispépticos’ (Camus, 1985: 96). No entanto, Camus fica<br />

“totalmente seduzido”, quando, dois dias depois – 19 de julho – da sua ida a esse dancing assiste a um recital<br />

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