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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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cantam coplas alegres, cheias de ironia, como as cantigas de escárneo dos trovadores do século XIII.<br />

Construindo pequenas pirâmides de ramagem dentro das quais se escondem, para dar a impressão de<br />

que os montes andam de cá para lá, cantam a grande polifonia da natureza, no luxuriante despontar<br />

da primavera; são os mayos, os famosos maios eruditamente estudados pelo professor Figueira. A<br />

comemoração é essencialmente pagã e a festa celebra-se no mundo infantil, com o mesmo prazer de<br />

dois mil anos atrás, e, mais ou menos, com o mesmo rito. Nesse dia os homens, mais tristes e<br />

preocupados, celebram uma festividade cristã: a exaltação da Santa Cruz; porém, incapazes de<br />

amortecer o paganismo que lhes vai pelo corpo, cantam também jocosamente, vestindo-se com trajes<br />

alegres e deslumbradores.<br />

Na Galiza, mais do que em qualquer outra terra do mundo, o conflito entre paganismo e cristianismo<br />

mantém-se, nos dias de hoje, com a mesma violência que nos anos das perseguições, embora oculto<br />

nas maiores intimidades. A devoção católica vibra apaixonada e comovedoramente em nossas gentes,<br />

porém não é sólida e maciça: envolve apenas os velhos cultos, as mais ancestrais superstições, os<br />

ritos célticos que aqui e ali vivem ainda, como na remota era da colonização. Nossos camponeses<br />

peregrinam com devoção a S. Campio, à Sainza, a S. Bento de Lerez, ao Cristo de Orense, porém não<br />

prescindem, na romaria, de render seu tributo às amadas deidades adormecidas, que ninguém poderá<br />

julgar, por muitos motivos, definitivamente mortas. O galeguíssimo Prisciliano, bispo de Ávila e o<br />

primeiro dos grandes heresiarcas da Igreja, expressa claramente o grande drama do nosso povo.<br />

Nasce o dia quando passam pela nossa porta os primeiros romeiros de Santa Cruz de Landal; distingo<br />

um deles – Anton de Mañufe. Vai rezando o rosário, piedosamente, em ação de graças por ter sido<br />

curado de não sei que doença, e leva um grande círio, cheio de ornamentos, para oferecer ao capelão<br />

da ermida. Vestido de branco, como amortalhado, prendeu em todo o traje folhas de hera, quase<br />

como as crianças que se vestem de paisagem, e colocou sobre a fronte uma coroa de rosas, tal como<br />

imaginaríamos os helenos nas festas de Dionísios. Vai choroso rezar diante da Cruz ensangüentada<br />

que imortaliza a tragédia do Gólgota, porém jamais será capaz de compreender o Nazareno na agonia<br />

mais aflitiva que presenciaram e presenciarão os séculos. Não. Para ele a festa é o triunfo da natureza<br />

que revive na folha de cada árvore e em cada árvore do campo, que floresce em toda a grandiosidade<br />

do horizonte, numa afirmação rotunda de perene fecundidade: desperta a terra depois do sono<br />

invernal para consagrar sua ampla e cósmica maternidade.<br />

Anton de Mañufe vai rezando; às vezes as palavras se deslocam subindo de tom, pretendendo<br />

transformar-se em cantiga.<br />

Seus olhos, fixos na terra, são dominados por fervoroso êxtase (Las Casas, 1938: 119-21).<br />

Fernando interpreta como um exemplo do paganismo inerente ao modo de vida do<br />

povo galego a descoberta que ele faz de uma cena íntima de um casal sob um pinheiral<br />

quando ele regressava ao paço depois de haver ido passear ao redor do “moinho da ponte”:<br />

Passei um certo tempo quieto, em silêncio, extático na doce serenidade da paisagem. De súbito ouvi<br />

um ruído perto de mim. Olhei com receio; nunca fui homem de coragem e a suspeita de ter qualquer<br />

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