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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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Muita vez, para conseguir penetrar mais a fundo nos arcanos da vida popular de Madrid, vestia-me<br />

pobremente, sem colarinho e sem gravata, calçava alpercatas de pelotário e enfiava na cabeça um<br />

gorro basco e ia flanar nos barrios bajos, pela Plaza del Cordon e pela calle de l’Arruda ver as<br />

majas insolentes do estraperlo mercado negro – vendendo pão e cigarros americanos. Tengo barras!<br />

Tengo petillos! Estava metido no Madrid de Goya e Solana e nas tavernas onde se bebia o vinho<br />

branco e tinto de Val de Peñas, Lengroño e Rioja que lubrificava as goelas eloqüentes dos espanhóis,<br />

e se comiam admiráveis chuletas de ternera con fritas, chipirones in su tinta e uns chorizos riojanos,<br />

aqueles embutidos com os quais sonhava a fome velhaca e resignada do escudeiro Sancho! Os<br />

substanciosos jamones serranos, las gambas a la plancha despertavam o apetite para os repastos<br />

mais suculentos. E quanto mais o vinho pressionava aquelas caldeiras humanas as guitarras gemiam<br />

os soleares melancólicos. Já tarde, quando a noite começava a empalidecer as primeiras claridades da<br />

madrugada, voltávamos a casa tendo ainda nos ouvidos os últimos acordes dos violões e as<br />

derradeiras vozes que se apagavam, resignadas, aos primeiros arpejos da luz matutina. Íamos para a<br />

cama dormir um sono que chegava suave, todo perfumado de tranqüilas recordações (Silveira, 1956:<br />

200).<br />

Silveira informa do seu desejo de poder voltar qualquer verão a Madri para assistir a<br />

uma “corrida de toros”. Ele não só informa sobre elas, senão que emite o seu parecer acerca<br />

dos seus componentes. Assim, ele diz que a posição humana mais bela é a do matador na<br />

frente do touro: “Para mim, não há posição mais bela e mais estética do que ver um<br />

matador diante dos cornos de um possante miura. No centro do ruedo, como a haste de uma<br />

flor de carne febril, apruma-se o corpo esguio do matador” (Silveira, 1956: 200). Ele louva<br />

Manolete 364 , qualifica qualquer praça de touros espanhola como “uma admirável<br />

364 Silveira escreveu uns versos dedicados a Manolete. No entanto, na sua prosa não fica claro se ele assistiu<br />

ao vivo, na praça de Linares, aos 28 de agosto de 1947, à cornada que recebeu o toureiro e que lhe provocou a<br />

morte. Além da narração confusa, o conflito diplomático entre a Espanha e o Brasil acontecido entre 1946 e<br />

1950 faz-nos duvidar da presença de Silveira em Jaén em 1947. Aos 12 de dezembro de 1946, o Brasil foi um<br />

dos trinta e quatro países que votaram a favor da resolução condenatória a Espanha na Assembléia Geral da<br />

ONU, retirando, em conseqüência, o seu embaixador. O restabelecimento das relações diplomáticas plenas<br />

com a Espanha só se produziu em 1950 quando, aos 23 de março, Rubens Ferreira de Mello apresentou em<br />

Madri as suas credenciais como embaixador. Todavia, as relações diplomáticas bilaterais não foram rompidas<br />

completamente pelo Brasil, pois na Espanha ficara o encarregado de negócios, Argeu Guimarães. Silveira, no<br />

entanto, nunca poderia ter assistido à atuação de Manolete durante a sua suposta missão na Espanha durante a<br />

II República e o início da Guerra Civil, pois o toureiro só tomaria a alternativa em La Maestranza de Sevilha<br />

aos 2 de julho de 1939. De todas as formas Silveira fez o seguinte relato da cornada que acabou matando<br />

Manolete: “Manolete morreu numa cidade provinciana diante de um miura. O seu nome e os seus<br />

movimentos estéticos entraram no terreno da lenda. Nunca havia assistido antes dele a um toureiro tão<br />

completo e tão limpo nas faenas. Havia momentos de suprema angústia na assistência. Manolete estava ali,<br />

entre as aspas do touro, fazendo passes incríveis de muleta. Tocava harpa nos chifres do miura... Mas, tudo<br />

acabou numa bela tarde de verão provinciano. As flores de sangue das suas feridas ficaram poucos segundos<br />

desfolhadas na areia do ruedo, mas serão eternas na memória dos que tiveram a suprema ventura de vê-lo tirar<br />

da força bruta de um animal bronco e desesperado os ritmos mais finos e sugestivos” (Silveira, 1956: 201). Os<br />

versos que ele diz que guarda na memória e que improvisara referem-se ao “espetáculo inesquecível do<br />

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