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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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Carmo” –. Na livraria ofereciam-se livros espanhóis que D. Ramón importava de Madri,<br />

mas os seus consumidores eram alguns poucos leitores brasileiros. Um dos poucos cidadãos<br />

que manifestaram a sua admiração a D. Ramón pela sua lealdade à causa republicana foi<br />

um sefardi. Ele compareceu à residência de D. Ramón, na rua dos Aflitos, para se<br />

solidarizar e declarar que descendia de judeus pontevedreses:<br />

Outro desconhecido procurou don Ramón, no Largo dos Aflitos, dias depois, Era um rapaz efusivo,<br />

falava um português irrepreensível. Don Ramón o recebeu em seu gabinete, para onde tinha descido<br />

à espera do jantar.<br />

– Boa noite, don Ramón – disse ele, ao entrar. Sou Salomon ben Judá, nasci em Salonica. Reza o<br />

passaporte que sou grego. Meus pais, judeus sefarditas, deram-me este nome um tanto ortodoxo. Mas<br />

a minha alma é espanhola, embora jamais haja entrado – e por isso mesmo – no Club de España.<br />

Mudei o meu nome para Pablo. Pablo, nada mais. É assim que os espanhóis e os baianos me<br />

conhecem. Já ouviu falar de mim?<br />

– Sí, siempre he deseado conocer a usted – respondeu don Ramón.<br />

– Se a minha alma é espanhola, o meu corpo, para sustentá-la, tem a sua parte judaica, que não<br />

reputo a melhor. Como meio de vida, compro e vendo ouro e imagens antigas. Mas não vim comprar<br />

metal precioso em sua mão, don Ramón, que o senhor não o tem.<br />

Fez uma pausa. Em seguida, continuou:<br />

– Tem muito mais: tem ouro na alma. Vim lhe render homenagens ao ouro do caráter. Admita, em<br />

seu coração, que viajei desde Pontevedra do século XV, de onde os meus antepassados foram<br />

expulsos, para lhe prestar esta homenagem e dizer-lhe que não está só. O senhor não está só. Somos<br />

muitos a seu lado.<br />

Imóvel, em sua espreguiçadeira, don Ramón não conseguia articular palavra, sequer pensar, diante<br />

daquele Pablo que era o único judeu sefardita da Bahia, tal como era do seu conhecimento (Araújo,<br />

1987: 40).<br />

Os galegos, inclusive, desde o início da Guerra Civil, passaram de deixar para<br />

conserto os seus relógios com D. Ramón e começaram a repudiá-lo, acusando-o de<br />

“comunista”, “republicano” e “subversivo”. Um deles, José María Trigo, proprietário de<br />

uma farmácia, irmão de Manolo Trigo, o abjurador do “Cenáculo”, denunciou-o no DOPS<br />

[Departamento de Ordem Política e Social] da Bahia, o que fez com que se instruísse um<br />

processo contra ele sob a acusação de ser um “agitador notório e reincidente”. D. Ramón<br />

acabaria sendo intimado a depor perante o delegado do DOPS em duas ocasiões. A<br />

primeira, no final da Guerra Civil, a segunda, no início da Revolução de 1964, pouco antes<br />

de ele falecer. José María Trigo, o dedo-duro do DOPS, é retratado pelo autor como o mais<br />

arrogante e vil de todos os imigrantes galegos de Salvador:<br />

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