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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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que ele, simbolicamente, tentou anular a sua origem, fugindo, de fato, do solo da estirpe ao<br />

se transferir para alhures. Julia Kristeva considera que a evocação da origem não causa no<br />

estrangeiro a remissão a uma única representação acerca do perdido e que, portanto, a dor, a<br />

exaltação, a questão do enriquecimento, a sensação de ser inoportuno ou um estorvo,<br />

podem aparecer quando o estrangeiro é interpelado. Ela salienta que, ainda que o<br />

estrangeiro, nas suas meditações existenciais e nas intimações que lhe dirigem os nativos,<br />

seja assediado pela sua origem, a sua realidade objetiva acontece no país receptor. Diz<br />

Kristeva:<br />

foi para o melhor e para o pior, mas foi em outro lugar que ele colocou as suas esperanças, que se<br />

travam os seus combates, que ele hoje mantém a vida. Em outro lugar oposto à origem, e mesmo em<br />

lugar algum oposto às raízes: essa divisa dos temerários engendra tanto recalques estéreis quanto<br />

impulsos audaciosos (Kristeva, 1994: 36).<br />

A busca, na memória, de lembranças fragmentadas com as quais criar um discurso<br />

sobre as suas origens resulta, conseqüentemente, além de um exercício agônico, uma<br />

experiência tingida de ironia.<br />

O estabelecimento de um propósito para empreender a fuga – profissional,<br />

intelectual, afetivo –, e que converte um sujeito em estrangeiro, é um narcótico para<br />

dissimular a culpa e os remorsos sentidos, devido à ausência do espaço natural, e para<br />

suportar os dissabores, ou a animosidade, que serão encontrados durante o trânsito. Na<br />

fuga, o estrangeiro adquire uma perspectiva distanciada do espaço do qual se afastou e do<br />

novo espaço que ocupa, um espaço, este último, que é a sua referência sincrônica, mas ao<br />

qual não pertence e que não lhe pertence. Esse distanciamento duplo provoca, no<br />

estrangeiro, indiferença a respeito de tudo o que o rodeia, a qual, ao mesmo tempo que o<br />

protege da saudade e das agressões, o insensibiliza e o embrutece. A indiferença do<br />

estrangeiro, no entanto, há de ficar dissimulada e guardada na intimidade dele, sem poder<br />

ser ostensivamente exibida nos campos sociais que o estrangeiro observa para assim ele<br />

evitar a indignação ou a irritação dos observados perante a displicência de quem foi, entre<br />

os aborígines, generosamente acolhido. A indiferença do estrangeiro deve ser revestida de<br />

humildade, visando ser percebida como a sua aceitação de tudo o que envolve ele no seu<br />

desenraizamento.<br />

Junto à indiferença, surge a autonomia do estrangeiro, que é um misto de aceitação<br />

da diferença, marginalização, isolamento e misantropia forçada. A obtenção de autonomia é<br />

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