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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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A durabilidade da presença do trabalhador estrangeiro, com residência legalizada no<br />

exterior, só pode ser indicada a porteriori. Mas inclusive quando essa presença, e a<br />

conseguinte ausência, se tornam indefinidas e a ilusão do regresso perde qualquer lógica, as<br />

diferenças entre os que se consideram simplesmente estrangeiros e os classificados como<br />

imigrantes se mantêm. O poeta e professor Adolfo Casais Monteiro (1908-1972), residente<br />

no Brasil desde 1947, intitulou o seu último livro, publicado no ano de 1969, como O<br />

Estrangeiro Definitivo. Nesse livro de poemas, o último poema, Ouvindo Mozart, expressa<br />

as oscilações do autor entre a realidade e o sonho com um possível encontro com Ariadna,<br />

um encontro que, talvez, possa acabar sendo uma despedida da vida:<br />

Os continentes invisíveis presidem nosso destino<br />

Estarei acordado? Porque chamar<br />

sonho à realidade sem memória?<br />

Há sempre outros abismos até onde<br />

o fio invisível nos conduz.<br />

Ariadna, serás tu? (apud Gotlib, 1985: 336).<br />

Casais Monteiro naturalizara-se brasileiro. Na sua estada no Brasil, exerceu de<br />

professor em várias universidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, colaborou com<br />

periódicos e desenvolveu uma intensa atividade como crítico literário. Mas ele, como<br />

trabalhador, não era mais um dos portugueses que mourejavam no Brasil o pão de cada dia.<br />

Ele tinha a capacidade de recorrer a Ariadna para entender os seus périplos em direção a<br />

nenhures 93 . Nesse sentido, os versos acima transcritos refletem que a consciência do<br />

próprio destino pode ser sentida de um modo diferente dependendo de se o sujeito é um<br />

realidade, isto é, à relação “amorosa” entre a percepção sensível e interpretativa “em mim” e o logos “em si”.<br />

Assim, o sujeito, ao se envolver no processo que busca a dissecação e a captação da sua realidade imediata – a<br />

circunstância e os valores dessa circunstância –, com vistas a integrá-la na sua vida individual, há de descobrir<br />

que ele não tem natureza e que ele, na realidade, é o que ele faz com as coisas da sua circunstância.<br />

93 A naturalização brasileira de Casais Monteiro é comentada por ele em carta a Rodrigues Lapa [Araraquara-<br />

SP, 21.12.63] com a justificativa de poder aceder a uma vaga de professor efetivo na universidade pública<br />

brasileira: “Preciso de lhe dar um esclarecimento final, que justifica [que] eu possa ser designado para estas<br />

funções: é que já sou brasileiro” (302). Quatro meses depois [23.04.1964], Rodrigues Lapa datou em Santiago<br />

de Compostela uma missiva dirigida a Casais Monteiro em que lamentava a “redentora revolução” que<br />

eclodira no Brasil aos 31 de março desse ano. Na carta, Rodrigues Lapa alude aos efeitos que poderia causar o<br />

golpe, diferenciando entre a sua repercussão nos imigrantes portugueses e em um sujeito naturalizado –<br />

Casais Monteiro –: “Logo que eclodiu essa brutalidade do golpe militar fascista, alcunhado de ‘democrático’,<br />

lembrei-me dos portugas que por aí mourejam o pão de cada dia e podem ter sido incomodados pelos<br />

estrênuos defensores da civilização cristã ocidental. De você mais ainda, porque agora é brasileiro, e o que<br />

não podem fazer aos outros podem fazer a você; porque neste tempo de confusão dirigida tudo é possível”<br />

(Correspondência, 1997: 302).<br />

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