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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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emigrasse, o autor sintetiza o que, com freqüência, é colocado como as causas de expulsão/<br />

atração, entre países, da mão-de-obra. Assim, o autor comenta que seu pai era um<br />

camponês que sustentava a sua família com o que produzia a leira junto à sua casa e com o<br />

que ganhava trabalhando como peão em chácaras de La Vega granadina. O autor recorda os<br />

seus primeiros anos, no interior de Granada, como um tempo que se repartiu entre os seus<br />

jogos no campo e na praia, a sua colaboração com seu pai na labuta das safras e as suas<br />

vivências familiares 292 . Vítor aponta as adversidades e desgraças que afligiam a família<br />

como a razão da decisão de emigrar que tomou seu pai. Delas, destaca a vida sofrida do<br />

campo e o abalo produzido pela morte de cinco filhos por infecções e viroses para as quais<br />

não havia remédios na época – coqueluche, varíola, sarampo –. A escolha de São Paulo<br />

como destino deveu-se a eles contarem com o apoio de uma tia – irmã da mãe de Vítor –<br />

que até lá emigrara. Essa tia podê-los-ia ajudar nos primeiros dias da estada nessa cidade.<br />

Vítor e a sua família conseguiram os documentos que lhes permitiriam emigrar;<br />

levaram a roupa como única bagagem. Após três dias de viagem de ônibus, chegaram a<br />

Gibraltar onde centenas de pessoas, dispostas a “substituir o braço escravo dos negros”,<br />

faziam fila indiana para embarcarem no navio Córdoba, que fora alemão, mas que<br />

requisitara a França como reparação de guerra após o armistício de 1918. Como a família<br />

de Vítor tinha passagens de terceira classe, ao embarcarem foram divididos por sexo.<br />

Segundo o autor/ protagonista, as condições, durante toda a viagem, foram péssimas, a<br />

comida era intragável e os vômitos e diarréias foram constantes. Antes de aportar em<br />

Santos, a navio fizera escala em Dacar, no Recife e no Rio de Janeiro. Na escala em Dacar,<br />

292 O protagonista – Victor – começa o relato das suas memórias, a partir da sua infância na Espanha, durante<br />

uma viagem de trem durante a qual fica dormido. Nos seus sonhos e pesadelos ele observa o seu passado e<br />

comenta-o. Além disso, ao ser vencido pelo sono ele ganha uma perspectiva clarividente; assim, ele afirma<br />

que “Este redemoinho de pensamentos me levara a ver o mundo em poucos minutos” (Dias, 1983: 14). Em<br />

um dos sonhos ele sente-se, na companhia de seu pai, fazendo parte de uma grotesca procissão católica. Essa<br />

sensação é para ele traumática, de tal forma que, de um declarado anticlericalismo, ele associa as cruzes e os<br />

cruzados com o terror, a destruição e a morte na Palestina, nas guerras de religião na Europa e na conquista do<br />

Novo Mundo. No sonho, o cristianismo cria também na Espanha em guerra uma atmosfera de maldade que<br />

faz com que o seu pai abandone a procissão: “Via de novo tantos séculos passados, as mesmas figuras<br />

sinistras, agora benzendo máquinas infernais, mortíferas, exércitos muito bem armados, ensangüentando a<br />

minha querida terra, a Espanha. Três anos de terror e morte. E cínicos, continuam em sua trajetória de farsa e<br />

benzem os exércitos nazi-fascistas, assim como benzem os exércitos aliados. Temos agora seis anos de<br />

matanças intermináveis, de morte e destruição daquilo que com tanto sacrifício os homens construíram em<br />

dois mil anos... E agora, benzer o quê? Bombas atômicas? Bombas ‘H’? Todo o alfabeto de bombas?... Mas<br />

não param” (Dias, 1983: 14). O tom e os termos cáusticos da alegação do protagonista contra a igreja com os<br />

que ele abre a sua narração são um indício tanto do tipo de idéias e atitudes que caracterizarão a sua trajetória<br />

vital quanto dos comentários que ele fará sobre a circunstância histórico-social que envolve a sua biografia.<br />

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