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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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excitação, o abale, de tanto que o ser inconsciente se protege do outro lado da fronteira. Um<br />

tratamento psicanalítico ou, de forma mais excepcional, uma intensa viagem solidária pela memória<br />

e pelo corpo podem, contudo, produzir o milagre do recolhimento que unirá a origem ao adquirido,<br />

resultando numa dessas sínteses móveis e inovadoras de que são capazes os grandes cientistas ou os<br />

grandes artistas imigrados. Pois, por não pertencer a nada, o estrangeiro pode se sentir filiado a tudo,<br />

a toda a tradição, e essa ausência de gravidade no infinito das culturas e das heranças proporciona-lhe<br />

a facilidade insensata de inovar (Kristeva, 1994: 38-39).<br />

De todas as formas, as estranhezas dos outros só são reconhecidas e assimiladas por<br />

sujeitos da nação receptora como performances de esquisitices culturais se elas gozarem de<br />

excepcional e atraente capital. Kristeva foge da possibilidade de considerar a existência de<br />

representações inócuas sobre o estrangeiro. O estrangeiro pode ser acolhido ou rejeitado, e<br />

mesmo, pode-se cogitar, da política, da moral ou da religião, na existência de uma<br />

sociedade sem estrangeiros, mas as representações sobre eles sempre estarão presentes para<br />

a delimitação das características de uma identidade própria, contrária ou, quando menos,<br />

diferenciada frente à alheia. Kristeva coincide com Sayad na visão de duplicidades na<br />

idiossincrasia dos estrangeiros. Se por um lado, os sujeitos desenraizados estão orgulhosos<br />

de si mesmos pela coragem que demonstraram ao abandonarem os seus lares em direção ao<br />

desterro, por outro, eles, arriscados, aventureiros e valentes, sentem a humilhação por terem<br />

que residir em um território que não é a sua pátria, pois essa residência no exterior é um<br />

sintoma de que houvera alguma falha que impediu a permanência no espaço natural.<br />

Para o desenvolvimento da análise das representações sobre o estrangeiro, Kristeva<br />

contrasta os traços distintivos do outro com os próprios de quem observa esse outro. Desse<br />

modo, ela assinala que as primeiras diferenças notáveis originar-se-iam na percepção da<br />

aparência. Elas, apriorísticas, dependeriam da captação da exterioridade do estrangeiro, isto<br />

é, do retrato que dele se fizer observando-se os traços fisionômicos, o sotaque, o porte. A<br />

visão física do estrangeiro desemboca em interpretações etopéicas, e revela, na análise de<br />

Kristeva, uma característica imanente da condição do estrangeiro: a expressão de um novo<br />

tipo de felicidade, uma felicidade algo insolente, instável e, simultaneamente medrosa, que<br />

deixa extravasar a satisfação por ele haver conseguido o desenraizamento, o nomadismo, e<br />

por residir no espaço de um infinito prometido. Trata-se da felicidade que proporciona a<br />

sensação de viver em uma constante fuga, em um processo perpétuo de trânsito. Todavia, a<br />

emoção e a emotividade derivadas da liberdade que se sente ao longo da fuga indefinida<br />

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