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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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– Direi mais: declaro que tenha inveja de ti; o pequeno acabaria estimando-te mais do que a mim,<br />

compreendes? Ao teu lado ainda sou um pobre camponês, tu és o caminhante de todos os mundos<br />

apetecidos, e qualquer um – com uma pouca imaginação – desdenhará a minha companhia para<br />

caminhar contigo (Las Casas, 1938: 106-07).<br />

No mês de junho, Fernando anotará que uma outra das suas funções era a de dotar o<br />

paço de Názara de uma adequada discoteca para o gramofone. No dia vinte escreve “Já<br />

temos bastante completa a coleção de discos com a remessa que agora chegou; quase todas<br />

as minhas obras prediletas estão aqui” (Las Casas, 1938: 132) 570 . Ele menciona que o seu<br />

deleite escutando uma das peças musicais que recebera provocou um comentário do seu<br />

amigo Luiz que o fez reagir explicando-lhe a relação entre o sentimentalismo do sujeito e a<br />

ocupação estável de uma posição na vida:<br />

Luiz surpreendeu-me escutando ao gramofone a página que mais me comove de todas quantas tenho<br />

ouvido na minha vida: o Andante Cantabile, de Tchakowsky.<br />

– Então, agora és tu o sentimental? – perguntou-me entre risos irreverentes.<br />

– Talvez; o sentimentalismo é um ponto de fixação do qual se parte, ou ao qual se chega: nunca está<br />

na metade do caminho. – E continuei com desdém. – Por isso tu, que ainda não sabes de onde vens<br />

nem para onde vás, nem que rumo levas, que andas de um lado para outro como as folhas secas das<br />

árvores, não podes ser sentimental. O sentimentalismo é uma posição estática, porque é uma<br />

manifestação de amor, e o amor nos fixa, nos situa, nos deixa quietos, nos induz ao repouso, assim<br />

como o ódio, pelo contrário, nos torna dinâmicos, nos leva, nos arrasta, nos impulsa para a ação. Tu<br />

estás em plena ação, em atitude desenfreada... porque odeias.<br />

– Eu? A quem?<br />

– Odeias tua vida, tudo quanto te rodeia: esta casa, este campo, este país, esta gente que te<br />

acompanha, e, no fundo, odeias-me também a mim.<br />

– Exageras.<br />

– Não, não; tudo isto te parece já pequeno, minúsculo, raquítico; cá, julgas-te num cárcere. Queres<br />

andar, correr, voar, e em tudo isto – que é a tua vida – só vês cadeias que te aprisionam (Las Casas,<br />

1938: 132-33).<br />

Fernando, aos 15 de dezembro, classificara o luxo como uma “categoria de cultura”<br />

que pode e, com ousadia, deve ser oposta à “campanha satânica que se empenha em<br />

570 Trata-se das seguintes obras: “A paixão segundo S. João e a Cantata 140 de Bach; de Beethoven a Grande<br />

Missa, o Septimino e a VII Sinfonia; o Christus Resurgens cantado pelos monges de Solesmes, e os<br />

Murmúrios da Selva, do Sigfredo; o Fandango, de Turina, tocado em violão por Andrés Segovia, e o<br />

Madrigal à Rainha Elisabeth, interpretado em clavicenvalo por Wanda Landowska; o Capricho Español, de<br />

Rismikorsakow, As estepes da Ásia Central, de Borodin, o Bolero, de Ravel, L’après-midi d’un faune, de<br />

Debussy, O pássaro de fogo, de Strawisky e La mort de l’escolá, de Nicolau, cantada pelo Orfeão Catalão; a<br />

Valsa Triste, de Sibelius, as Danças Húngaras, de Brahms e várias valsas e noturnos de Chopin” (Las Casas,<br />

1938: 132).<br />

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