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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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Nunca passei horas tão agradáveis e delas guardo uma visão difícil de esquecer: numa rua escura,<br />

lôbrega, de negrura impenetrável, dois namorados palestravam na porta humílima dum casebre; ela<br />

era branca e vestia de negro, ele era preto e vestia de branco. Estremeci de terror. A impressão foi de<br />

que ao moço lhe cortaram a cabeça e assim, decapitado, conversava com a cabeça da sua amante<br />

prendida nas sombras como uma lua cheia que caísse à altura dos seus olhos (Las Casas, 1939: 72).<br />

Mas, ao se referir à conservação do patrimônio histórico de São Luis, Las Casas<br />

(1939: 72-73) escreve “S.O.S.” pois tinha observado que, sob a alegação de modernizar e<br />

com “a mania de norte-americanizar tudo”, deitavam-se por terra sobranceiras construção<br />

coloniais. Ao respeito escreve um discurso e um epitáfio em, que uma cidade de São Luis<br />

onomatopaica se queixa do seu abandono e suplica que não perturbem a sua alma 538 .<br />

Em São Luis, Las Casas visita também os bairros pobres, cujas casas como “não há<br />

luz elétrica” alumiam-se com lampiões que as fazem parecer “antros de bruxaria”. Ele<br />

observa que as paredes dessas casas estão repletas de estampilhas, dentre as que se destaca<br />

a do santo protetor da família, ao redor da qual se vêem “flores murchas e lâmpadas de<br />

cemitério”. O autor entra em uma casa desses bairros, habitada por uma família de pretos –<br />

minas – com a que entre em contato. Sobre a sua visita a essa casa e sobre a conversa com a<br />

matriarca – a senhora Andréia – da família que nela morava faz um relato em que deixa<br />

entrever que se tratava de uma residência em que funcionava um terreiro de candomblé. O<br />

autor, a pesar de levar quase três anos no Brasil, parece desconhecer o que é o candomblé e<br />

considera que o que lhe mostram é o pátio onde se realizam as danças pagãs que organiza a<br />

tradicional e nobre família de afro-brasileiros que ocupa o imóvel. Las Casas inclusive<br />

pergunta à matriarca se ela é adivinhadeira, arte da qual ela renega 539 .<br />

538 O queixume e a súplica que para a cidade de Maranhão escreve Las Casas (1939: 73) é este: “quando os<br />

renovadores dormem e os poetas velam, quando a árvore mais pequenina canta uma quadra e a pedra mais<br />

insignificante diz uma confidência, a cidade abre o seu coração ferido e conta ao vento as suas mágoas<br />

atormentadas. Salvai-me a alma! – parece gritar, desfeita em lágrimas. Que não fique nada de mim, que não<br />

deixem torre sem derrubar nem jazigo sem abrir, mas que respeitem a minha alma, que se detenham perante a<br />

glória da minha velhice indefesa, que não injuriem a preclara grandeza do meu nome. Deixem o campo vazio<br />

e ponham nele uma cruz, como nos cemitérios, com este epitáfio: Cá fulgiu durante quatro séculos o<br />

esplendor de uma civilização venerável. Aqui havia uma cidade majestosa que contou por centenas seus filhos<br />

ilustres. Preferiu a morte à servidão”.<br />

539 Esta é a crônica que narra Las Casas (1939: 65-66) sobre a sua visita ao terreiro de candomblé: “CASA <strong>DE</strong><br />

MINAS. Num dos bairros pobres, visitei uma casa de Minas; em Maranhão há algumas famílias de cor e são<br />

chamadas Minas, lembrando a sua origem africana. Bom é saber que na raça negra há também classes sociais<br />

e linhagens que se julgam de ascendência nobre. As genealogias chamam-se linhas, e assim ouvimos dizer<br />

com orgulho: – Nós somos de linha Ecum, e não nos misturamos; nosso filho João casou na linha Eboim e<br />

muitos remorsos o afligem... Pois bem: as linhas mais aristocráticas que estão no Brasil vivem no Maranhão.<br />

A casa que eu visitei, grande, abastada, muito limpa e arranjada, é das mais distintas. Habita-a a senhora<br />

Andréia com quatro filhos e vários netos. A senhora Andréia parece que não gosta de estranhos, mas é<br />

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