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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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No prefácio ao livro de Sayad, Pierre Bourdieu (Sayad, 1999: 9-12) assinala que na<br />

elghorba estão envolvidos os que foram “cruelmente despossuídos” e são, portanto, atopos.<br />

O imigrante é para Bourdieu um sujeito “sem lugar, deslocado, inclassificável” 89 , até<br />

“incongruente e inoportuno”, cuja situação ambígua – bastarda – o mantém flutuando, ou<br />

mergulhado, entre o “ser” e o “não-ser”, em um espaço fronteiriço em que ele não é<br />

reconhecido nem como um estrangeiro – o outro – nem como um cidadão – um igual, um<br />

mesmo –. Submetido ao raciocínio, segundo Bourdieu, o imigrante suscita embaraço, pois<br />

resulta difícil entendê-lo. Subjetivamente, segundo Bourdieu, o imigrante provoca<br />

incomodidade, tanto na sua sociedade de origem, quanto na receptora. Essa projeção<br />

duplamente inconveniente da natureza do imigrante é explicada por Bourdieu como se<br />

segue. Ele considera que a interpretação dos lindes do limbo em que se encontra o<br />

imigrante pode acabar provocando, no analista, um exame das regiões mais obscuras do seu<br />

próprio inconsciente:<br />

Presente ausente, ele [o imigrante] nos obriga a questionar não só as reações de rejeição, que, ao<br />

considerar o Estado como uma expressão da Nação, justificam-se pretendendo fundar a cidadania na<br />

comunidade de língua e de cultura (quando não de “raça”), como também a “generosidade”<br />

assimilacionista, que, confiante em que o Estado, armado com uma educação, saberá produzir a<br />

Nação, poderia dissimular um chauvinismo do universal (Sayad, 1999: 12).<br />

O deslocamento de um trabalhador a um país de imigração deixa abertas vias<br />

alternativas para que o sujeito se afaste das supostas práticas inerentes a um trabalhador<br />

estrangeiro. Esse sujeito, amparando-se no seu capital cultural, tem a ocasião de tentar<br />

esquivar os espaços para ele preparados das estruturas da dominação, chegando-se a<br />

apresentar, ele mesmo, como uma reação irreverente, em forma de violência simbólica,<br />

contra o statu quo. Assim, frente à identificação do estrangeiro-imigrante com o trabalho, o<br />

estrangeiro autodesignado não-imigrante pode reivindicar, procurando a provocação e a<br />

distinção perante a sociedade de adoção, o direito à preguiça e a extravagância de ele<br />

conseguir sustentar-se, no espaço dos outros, pedindo e não dando.<br />

Um paradigma desse habitus é o representado por Rafael López, quem a si se<br />

chamava o “filósofo da selva”. Ele foi um misterioso viajante espanhol, de procedência<br />

89 Especificamente, o termo “deslocados” foi utilizado pelas Nações Unidas, a Cruz Vermelha e Caritas<br />

Internacional, através da United Nations Relief and Repatriation Administration e da International Refugee<br />

Organization, para aqueles estrangeiros – os deslocados de guerra, as displaced persons – que não puderam<br />

ou não quiseram regressar às suas pátrias após a segunda guerra mundial (Cf. Magalinski, 1980: 9, 35).<br />

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