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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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que, ao casar, Fernando não se lembraria mais dele, ao qual este respondeu que isso não<br />

aconteceria porque, para ele, Joãozinho era o seu primeiro filho. Frisa que a cerimônia se<br />

desenvolvera “como faz oitocentos anos”, bailando em volta do pão da boda “a mesma<br />

dança solene dos antepassados”, e que, “conforme a velha moda”, se trocaram presentes<br />

(“este deu-me um lenço, e eu lhe dei um livro, aquela uma flor e eu lhe dei uma taça, o<br />

outro uma gravata e eu lhe dei uma cigarreira”). Todas brindaram (“Cada um fez o seu<br />

brinde – que deliciosa ingenuidade em todos e que extremosa dedicação! – ”); cantaram até<br />

a madrugada e despediram-se dando-se um abraço.<br />

Antes de contrair matrimônio, Fernando purga-se do seu passado. Assim, por um<br />

lado, aos 20 de setembro (Las Casas, 1938: 166-68) narra no seu diário um sonho que<br />

tivera, no qual São José – “santo protetor dos lares perfeitos” – aparece para afugentar os<br />

deuses do Olimpo que regalavam Fernando, especialmente Mercúrio, quem insistiam em o<br />

tentar com um amor do passado para que fosse infiel a Maria José 580 . Por outro, aos 22<br />

desse mês (Las Casas, 1938: 168) registra o demorado banho que tomara para tirar de si o<br />

aroma da futilidade 581 . O protagonista expressa que deseja “entrar numa vida”, em que<br />

580 O sonho é exposto através de uma, comparativamente com os outros assuntos narrados no romance,<br />

extensa exposição. É a seguinte: “Sonhei que todos os velhos deuses do Olimpo desceram ao meu quarto para<br />

acompanhar-me pela última vez. Saturno empenhava-se em demonstrar-me a melhor maneira de devorar os<br />

filhos, Juno queria dar-me para Maria José o seu diadema de prata, Vesta ofereceu-me as suas sacerdotisas de<br />

mais confiança para que pudesse confiar em alguém os meus segredos, Neptuno explicou-me como<br />

convencera Anfitrite para que o aceitasse em matrimônio para quando algum dia necessitasse eu de artes<br />

semelhantes. Plutón disse-me que vinha só para cumprir um preceito social mas que não queria atormentarme<br />

com relatos macabros. Ceres jurou que me dedicaria mais amor que a Triptolemo a presenteou-me com<br />

sementes muito apropriadas para as minhas herdades, Minerva prometeu recomendar-me ao governo francês<br />

para que me desse a Legião de Honra, Vênus relatou-me a história dos seus tristes amores com Adonis<br />

oferecendo-me como exemplo para evitar perigosas imprudências, Marte garantiu-me a sua proteção se a<br />

minha esposa não se fizesse enfermeira da Cruz Vermelha, Apolo incitou-me a passar uma temporada no<br />

Parnaso sob promessa de que não lhe leria nenhum verso, e Mercúrio quis deixar-me umas fórmulas para<br />

poder enganar a Maria José e sair de noite, sem perigo, a fazer pilhérias pelos arredores. Recusei-o indignado.<br />

– Serei um esposo integramente honesto. – Todos dizem o mesmo, ao princípio. Discutimos violentamente. –<br />

Pelo menos explicar-te-ei como se escolhem as boas cozinheiras. – Não me interessa. – Se queres posso<br />

conseguir um novo encontro com... Tremi horrorizado; tinha-me ferido no mais vivo do coração. Senti que<br />

perdia forças e pensei nos olhos de Maria José, nos seus lábios, nas suas mãos... mas eram outras mãos, e<br />

outros lábios, e outros olhos os que eu via. As melhores intenções caíam por terra. Então, agarrando-me ao<br />

travesseiro, como o náufrago que teme perder seu último ponto de apoio, reuni toda a minha coragem e<br />

chamei por S. José, santo protetor dos lares perfeitos. Ouvi um ruído ensurdecedor e vi que todos os deuses<br />

fugiam como loucos, saltando sobre mim como cabritos espantados. E assim acordei, cansado, rendido,<br />

sufocado, como se acabasse de lutar contra um exército de boxeadores raivosos”.<br />

581 O protagonista Fernando desenvolve a sua particular interpretação simbólica do cheiro que adquirem as<br />

pessoas, impregnando-se dele, segundo seja o seu modo de vida. Pode-se tentar, no entanto, a troca do cheiro<br />

com a mudança do modo de vida: “Venho do rio onde estive duas horas banhando-me. A vida, cada tipo de<br />

vida, imprime um certo odor inconfundível, que não se dissipa nunca; com os olhos fechados, pelo aroma,<br />

podemos diferenciar um chauffeur, um jornalista, um ator, um padre... Quis perder todo o meu cheiro de<br />

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