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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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igreja de Santiago, por dentro com muitos jazigos e por fora com muitas pombas (Las Casas, 1938:<br />

127).<br />

E, o 6 de julho, Fernando anota a viagem que fizera a Santiago de Compostela:<br />

Aproveitando uns dias que Luiz passou na Coruña, fui a Compostela. Nenhuma outra cidade da<br />

Europa me impressionou mais: nem Bruxes, nem Florença, nem Veneza, nem Antuérpia, nem<br />

Toledo, nem Coimbra, nem Gant. Palácios de elegância e sobriedade ímpar, mosteiros de proporções<br />

gigantescas, ruas seculares pisadas pelos pés mais ilustres da cristiandade, e a tumba do Apóstolo<br />

Santiago, o grande altar da Europa, a fogueira onde se forjou a nossa consciência ocidental. Os<br />

centenários sinos do Sar ressoam em ecos lentos e humílimos, como de ermida aldeã, e aqueles<br />

outros da Berenguela com solenidade que enche o tempo e o mundo; vi a torre feudal de Santo<br />

Agostinho, e o prodígio do Pórtico da Glória, sob cujas arcádias passou um dia S. Francisco de<br />

Assiz, tiritante de fome e de frio. Não, não; nunca deixarei o meu país. Cá ficarei, pegado à terra,<br />

como o musgo às rocas, como o amor ao desejo, como o amor ao desejo (Las Casas, 1038: 138).<br />

As críticas recebidas por Os dois no Brasil acima apontadas destacam, sobretudo, a<br />

qualidade no desenvolvimento da intensa relação entre Fernando e Luiz. Só aos 11 de<br />

dezembro, Fernando plasma no seu diário a natureza conflitante do relacionamento dele<br />

com o seu amigo:<br />

Não acerto a compreender que classe de afeto sente Luiz para mim; observo-o com atenção desde<br />

que cheguei – especialmente desde aquela noite em que, ao despedir-se, abraçou-se a mim<br />

longamente, o seu rosto muito perto do meu e o seu olhar como acariciando-me – e cada dia sinto-me<br />

mais incerto e duvidoso. Sempre me olha intensamente, mas com uns olhos tão tristes e chorosos,<br />

que não percebo neles qualquer desejo inconfessável; gosta de acariciar as minhas mãos, mas com<br />

tão humilde amargura que só consegue despertar piedade. Amizade, o que se diz amizade na sua<br />

acepção mais usual e freqüente, parece-me palavra demasiado pequena para abranger todas as suas<br />

imensas ânsias. Amor? Amor como o que se pode ter a uma mulher, a uma noiva? Não acredito (Las<br />

Casas, 1938: 57).<br />

Chega também a cogitar que possa existir um relacionamento entre Luiz e o<br />

“criado” que dispuseram para o seu serviço. Esse criado – João – é, por sua vez, retratado<br />

como um narciso muito sensível 566 . Aos 27 de dezembro anota a sua dúvida:<br />

566 Eis o retrato que faz Fernando do seu criado: “O criado que está ao meu serviço chama-se João; em quinze<br />

para dezesseis anos, e já é alto como um homem; é loiro, de olhos muito grandes e azuis, como o cabelo<br />

muito suave e as faces coradas como maçãs. Se porte é distinto, a sua voz harmoniosa, e só pelas mãos – um<br />

pouco ásperas – é que se percebe a sua condição himilde e serviçal. Não consegui adivinhar se tem noiva.<br />

Passa todo o dia em casa e só depois de jantar sai a farrear com os outros rapazes. Gosta dos pássaros, das<br />

flores, das fazendas bonitas, dos perfumes e... de olhar-se nos espelhos; muita vez o surpreendi, como um<br />

Narciso, em repousada contemplação do seu próprio corpo pálido e doentio” (Las Casas, 1938: 74).<br />

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