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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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medroso ou o estrangeiro possa acabar perturbado por feridas narcísicas psicossomáticas<br />

que freiam a pulsão erótica sem limites. A relação do estrangeiro com o desenfreamento<br />

tem dois vieses. Por um lado, o desenfreamento surge como superação das proibições, dos<br />

tabus e das inibições que existam no seu lugar de origem. A superação das fronteiras<br />

derivaria, nesse sentido, na recusação de qualquer limite moral. Por outro lado, o<br />

desenfreamento favorece a exploração do próprio corpo e de representações sobre o<br />

exotismo do outro – de um mesmo – na prostituição. O desenfreamento é um meio de vida<br />

para que estrangeiros, com menos pressões do seu recalque, e desvencilhados da vigilância<br />

da conduta que exercia o seu meio natural no país de emigração, ganhem a vida com uma<br />

sem-vergonhice que o pudor não lhes permitiria mostrar na sua pátria. A respeito da<br />

liberação sexual dos estrangeiros na França, Julia Kristeva pondera o seguinte:<br />

O cosmopolita do século XVIII era um libertino – e ainda hoje, o estrangeiro, embora sem a<br />

ostentação, o desembaraço ou o luxo do Iluminismo, permanece esse insolente que, secreta ou<br />

explicitamente, de início, desafia a moral do seu país e, em seguida, provoca excessos escandalosos<br />

no país que o acolhe. Veja a explosão erótica das mulheres espanholas ou muçulmanas, uma vez<br />

instaladas na França. O “modelo francês” talvez contribua um pouco para isso, mas com que<br />

facilidade a fachada do cristianismo e mesmo a tirania do islamismo são desbaratadas por essas<br />

novas perversas, prontas para tudo, certamente para vencer, mas sobretudo para gozar, até a morte!<br />

(Kristeva, 1994: 37).<br />

O “frenesi sexual” não é a única libertação suscetível de ser sentida pelo estrangeiro.<br />

Junto a ela, está a libertação da linguagem, consistente na eliminação de qualquer<br />

constrangimento para se expressar, até mesmo com loquacidade, em um idioma alheio sem<br />

o estrangeiro se deter em pautas, códigos e convenções comunicativas, apropriando-se<br />

desse idioma. No idioma estrangeiro, ele – o estrangeiro – pode-se comunicar mediante<br />

construções intrépidas, desinibindo-se das reações dos naturais frente ao seu sotaque e aos<br />

seus erros gramaticais e assumindo que, sempre que ele queira falar em público, o seu<br />

idioleto será percebido como a língua artificial de um alienígena. Kristeva assinala o<br />

seguinte a respeito da linguagem liberada do estrangeiro:<br />

Como numa alucinação, as suas construções verbais – eruditas ou escabrosas – rolam no vazio,<br />

dissociadas de seu corpo e de suas paixões, deixadas como reféns para a língua materna. Nesse<br />

sentido, o estrangeiro não sabe o que diz. O seu inconsciente não habita o seu pensamento, assim ele<br />

se contenta em fazer uma reprodução brilhante de tudo o que existe para ser aprendido, raramente<br />

uma inovação. A sua linguagem não o incomoda, pois ele guarda silêncio sobre as suas pulsões; o<br />

estrangeiro pode dizer toda espécie de incongruências sem que nenhuma repulsa, nem mesmo<br />

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