26.03.2015 Views

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

fortunas e falácias deste mundo e que fora predestinado a morrer duas mortes, ambas em dias ainda<br />

muito remotos e em circunstâncias de extrema dignidade e altivez. Brasileiro, pelas leis e carimbos<br />

do Governo, nunca desejou ser. Não que lhe faltasse amor à nova pátria, era mais baiano e brasileiro<br />

do que muitos que o julgavam ser, mas porque se lhe entranhara o postulado socialista segundo o<br />

qual as fronteiras não passam de invenções da burguesia. Ao contrário dos outros imigrantes –<br />

repete-se para que de pronto se saiba – don Ramón não havia aportando na Bahia para amealhar<br />

dinheiro, e sim para a contemplação e a poesia (Araújo, 1987: 9).<br />

A novela inicia-se com a narração das tomadas de posição dos imigrantes galegos<br />

perante a Guerra Civil espanhola. Essa luta dividiu também a colônia em dois bandos, mas,<br />

após a queda de Barcelona, o bando republicano reduziu-se a D. Ramón. Antes dessa<br />

queda, os republicanos, agrupados no “Cenáculo” promovido por D. Ramón, eram ele e<br />

Paco Rodríguez, “proprietário da Padaria Espanhola”, informados da evolução das frentes<br />

pelo Faro de Vigo, “despachado aos maços nos vapores mensais da linha América do Sul”,<br />

e pelo vespertino baiano A Tarde. O “Cenáculo” fomentara-o D. Ramón com o intuito de<br />

“meditar sobre o destino da Galícia e da Espanha” e de “erguer um reduto de fidelidade à<br />

República e de vaga doutrinação republicana”. Na deflagração da alfétena da Espanha<br />

havia mais dois galegos no “Cenáculo”, Manolo Trigo, “o dono da Casa Trigo, funerária<br />

das mais conceituadas na praça da Bahia, quase todas de galegos”, e Pepito Bermúdez,<br />

quem, além de se ter afastado da missão do “Cenáculo” ao se entrever a derrota<br />

republicana, converter-se-ia no intelectual dos galegos nacionales, isto é, de quase toda a<br />

colônia galega de Salvador, passando a ser o rival paródico de D. Ramón. Assim é retratado<br />

Pepito Bermúdez pelo autor:<br />

Pepito Bermúdez era um idealista também, mas a seu modo. Nos critérios de vida e em questões de<br />

caráter, bem outro que não o seu amigo consertador de relógios. Era ele que difundia nas manhãs de<br />

domingo, pela Rádio Sociedade de Salvador, o programa “Saudades de Ibéria”, articulado num<br />

espanhol nada castiço e animado pelos flamenco dos velhos discos da sua coleção particular.<br />

Flamencos e fados, pois Portugal não era esquecido. No início da Guerra Civil, suas crônicas haviam<br />

feito discreta propaganda do lado republicano. Mas desde muito Pepito vinha pressentindo a<br />

derrocada da República e não foi preciso que o Departamento de Ordem Política e Social do Estado<br />

Novo o chamasse às falas e transferiu-se ele, gostosamente, para a extrema direita. E à medida que a<br />

sorte do conflito se definia a favor dos fascistas, de “los moros”, como dizia don Ramón, passou a<br />

declamar ao microfone uns sonetos de sua lavra em que louvava, sem moderação,<br />

el sol de Franco que se yergue,<br />

en los horizontes de España (Araújo, 1987: 11)<br />

306

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!