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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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assunção do legado clássico pelos humanistas do séc. XV para a efetivação de uma<br />

comunhão européia ao redor de um passado comum, um passo prévio necessário para o<br />

início da compreensão completa do mundo a partir das grandes descobertas feitas nas<br />

navegações oceânicas. O autor (Las Casas, 1937b: 45) entende que, com as descobertas,<br />

“os homens percebem que estão integrados na humanidade. Os europeus acabam de<br />

compreender o universo e têm consciência do que são”. No entanto, a percepção por parte<br />

dos homens de que havia interesses comuns a todos eles, em todo o mundo, que não<br />

dependiam do seu sentimento patriótico nem da sua vinculação nacional, senão da<br />

distribuição da riqueza, abriu o caminho para um novo tipo de subversão baseado em uma<br />

setária solidariedade internacional. Segundo Las Casas, antes do séc. XVIII, e da irrupção,<br />

como ciência, da economia política com as suas teorias sobre o Estado e a redistribuição da<br />

riqueza, as revoluções provocadas pelos enfrentamentos entre os pobres e os poderosos<br />

tiveram características tipicamente nacionais; ele exemplifica a sua visão sobre o caráter<br />

distintivo – internacionalista e classista – das subversões desde o Século das Luzes com a<br />

seguinte interpretação das revoltas dos escravos em Roma e dos irmandinhos na Galiza:<br />

Gaspar Rappolstein, Pandolpho Nassi, Hércules Zani, Howat de Eskaros, Sobieski, o abade Ricard, o marquês<br />

de Richeburg, Herman von Ruden, a duquesa de Chevreuse, Malespina... [...]. À Compostela chega gente de<br />

Gales, da Turingia, da Silesia, da Herzegovina, da Finlândia, da Bessarábia, das Duas Sicílias, da Grécia...<br />

Imaginai o ensangüentado caminho de Jerusalém e o plácido caminho de Santiago. Por aquele, guerreiros<br />

suarentos que apenas podem dormir depois das fatigantes jornadas, capitães que têm de passar a noite<br />

cuidando de feridos e enfermos, monges que ajudam a bem morrer, armeiros que quebram a vigília dos<br />

acampamentos temperando espadas e escudos, rufos de tambores bélicos e uma sede implacável de chegar<br />

depressa e matar ou morrer; só se escutam vozes de comando, toques de trompas feudais, cantochões lúgubres<br />

e entrecortados; o acampamento dos normandos é vizinho do acampamento dos vênetos, e os guerreiros só<br />

pensam uns dos outros: veremos se estes são valentes como nós e sabem morrer pela liberdade da Europa. Ao<br />

contrário, no caminho de Santiago, as gentes avançam calmas, como numa procissão, alegres e sem pressa de<br />

chegar; vão contemplando a paisagem e gozando a jocundidade de cada aldeia que atravessam e o trabalho de<br />

cada herdade por onde passam; dormem pelas pousadas, conventos e hospitais, e antes de dormir fazem<br />

danças e cantam trovas e villancicos; nas mesmas hospedarias se encontram caminhantes das mais remotas<br />

nações, e uns e outros se admiram nas suas canções e procuram entender-se no relato dos milagres e trocam<br />

entre si, como lembrança da amizade, lenços e medalhas que são prendas de nobres e castiços artesanatos. “E<br />

vós como fazeis estes encaixes?” “E vós como cinzelais esta prata?” Uns ensinam aos outros, e todos<br />

aprendem. Jograis e trovadores da Provença vivem adormecendo as grandes damas, cantando-lhes na noite<br />

nostálgica breves poemas de piedade e de amor, que logo os rústicos repetem ao som de pandeiro, tamborim e<br />

flauta. Bailam juntos no entardecer as moças hanseáticas e os pescadores da Ligúria, as meninas dalmáticas e<br />

os remeiros de Dower, os artesãos de Florença e os boiadeiros do Úlster, e uns mostram aos outros cadências,<br />

ritmos e passos.<br />

Nestes caminhos de Compostela é que os europeus ficam a conhecer-se de verdade, estimam-se, começam a<br />

compreender-se em seus mais variados aspectos e acabam por sentir-se homens do mesmo continente,<br />

inquietos por preocupações idênticas e sem dúvida ligados por um porvir comum. A Europa sente a<br />

consciência de si mesma e os europeus gozam do prazer de conviver” (Las Casas, 1937b: 41-43).<br />

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