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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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“desgarrada tristeza” de Antônio Nobre, a “graça inigualável” de Eça, os títulos A<br />

montanha mágica, D. Quixote, A bíblia de Amiens, Jerusalém em Dalecarlia,<br />

Stepanchicovo, Vermelho e preto, obras de Fedin, Azorín, Ognev, Strindberg, Gide,<br />

Hebbel, Joyce, Shaw, “dramas célticos da pátria, mar e morte”, literatura judaica –<br />

“nebulosa, confusa, torturada, em sonora declamação” – (“como aquela tragédia de Mirra<br />

Efros que mais de uma vez me fez perder o sono”) e literatura política da escola do<br />

“gigantesco” Spengler (“que cada dia me alucina mais”). Essa ida à biblioteca acontece de<br />

madrugada, quando Fernando se desvela pelo intenso e invernoso bater do aguaceiro nas<br />

janelas. Nesse sentido, frisa, referindo-se, sem explicitar o seu nome, ao poeta português<br />

Augusto Gil, que o bater dessa chuva não era leve, “como quem chama por mim, de quem,<br />

fala o cativante autor de Luar de Janeiro”, senão forte. Fernando anota que à biblioteca fora<br />

procurar especificamente algum título de D’Annunzio, “que tanto me impressionou noutro<br />

tempo”, ou de Stendhal, “que de moço me acompanhou tanto”, ou de Antonio Machado,<br />

“um dos mais queridos de todos meus poetas das Espanhas”; ele não assinala que livro<br />

escolhera, mas escreve que foi até a lareira e rememorou as suas noites em Marrocos 563 , as<br />

suas viagens pela costa de Dalmácia, pelo Mar do Norte, as suas estadias em Argel, Dakar,<br />

Dresde, Lübeck, Basiléia, Reno, Zara, Málaga, Pau, e que evocou os seus amigos ciganos<br />

“feiticeiros e enfeitiçados, os das lembranças sempre brancas e as adivinhações sempre<br />

negras” e os “rosários inacabáveis [...] com orações e lágrimas para todos os coitados” da<br />

sua avó. Um mês depois – o 16 de abril – volta a biblioteca e encontra um poema<br />

563 As noites desfrutadas por Fernando em Marrocos serão de novo evocadas no diário. Nas anotações do 31<br />

de agosto (Las Casas, 1938: 162-64), Fernando menciona que gostaria de reviver uma noite e uma alvorada,<br />

prolongada até a chamada à oração pelo muezim, que passara em um bacalito de Tetuão, “fumando kif e<br />

sorvendo chá com ervas aromáticas, e, ao bater das três horas, como nas novelas românticas, uma aventura<br />

imprevista e insuspeitada. Dessas que não se podem contar de qualquer maneira”. Essa recordação fá-lo<br />

escrever um romance sobre um relacionamento apaixonado tido nessa madrugada. Trata-se de uma seqüência<br />

de oito estrofes de quatro versos; nela, não se precisa o sexo do objeto do desejo do autor, indicando-se só que<br />

ambos tinham o “corpo moreno”. Acreditamos que esse poema foi composto ad hoc por Las Casas para Os<br />

dois, pois não o localizamos fazendo parte de nenhuma outra obra: “Lembro con moita saudade/ teu quente<br />

corpo moreno,/ que eu vi, no cantar dos galos,/ todo en temblor no meu leito.// Tiña un sabor de canela/ que<br />

nunca jamais esquezo,/ e um tornasol de arrepios/ por afora e por adentro.// Tiña doces suavidades/ de rosas<br />

de terciopelo,/ según miña man gelada/ o iba todo recorrendo.// Tiña un olor campesio,/ meu quente corpo<br />

moreno!/ que ainda agora me desvai/ en cada ensono que teño.// Tiña, cuando nada tiña,/ un non sei qué de<br />

segredos,/ que ainda agora na lembranza/ ando en procura de velos.// Tiña por cada recanto/ cen mil<br />

tentacións de beijos,/ que se iban multiplicando/ cuanto mais se iban sabendo.// Tiña... cuantas coisas tiña,/<br />

meu quente corpo moreno!/ quisera eu ter mais sentidos/ para poder reconocelo// Ai como te vejo todo,/ meu<br />

quente corpo moreno,/ naquel romper de alborada/ de aquel sitio... e de aquel tempo!” (Las Casas, 1938: 162-<br />

64).<br />

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