26.03.2015 Views

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O anticlericalismo e a fala portunhola são traços de uma personagem espanhola no<br />

romance Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado ([1958] 2006). Trata-se do personagem<br />

“Felipe”. Nele, além desses dois traços, condensam-se as características estereotipadas<br />

criadas ao longo das três primeiras décadas do séc. XX a respeito do imigrante anarquista<br />

espanhol. Felipe é retratado como um sujeito hiperbólico, simpático aos olhos dos nativos,<br />

visceralmente anticlerical, maldizedor, mas bonachão, cavaleiroso e possuidor de um<br />

idioleto marcado por uma interlíngua entre o português e o castelhano. Nesse personagem<br />

observa-se como, em relação aos imigrantes espanhóis, se arraigara nos brasileiros uma<br />

representação de indivíduos excessivos e desordeiros apesar de passadas três décadas do<br />

abafamento da ação libertária no Brasil no momento da publicação de Gabriela 226 .<br />

Publicou-se em 1987, em Salvador, a única novela cujos protagonistas são os<br />

imigrantes galegos nessa cidade. Intitula-se Vida, paixão e morte republicana de Don<br />

Ramón Fernández y Fernández, de Nélson de Araújo, quem a datou em dezembro de 1986.<br />

Foi publicada no volume Três novelas do povo baiano, junto a outras duas novelas O<br />

império do Divino visto pelos olhos de Pisa-Mansinho e Aventuras de um caçador de arcas<br />

em terra, mar e sonho.<br />

Vida, paixão e morte republicana de Don Ramón Fernández y Fernández teve uma<br />

segunda edição, revisada, em 1990, em um volume exclusivo. Esta novela, de 70 páginas,<br />

divide-se em quatro capítulos: Mouros em Espanha, Viva la muerte!, A Librería Española e<br />

226 Esses traços ficam manifestos nos seguintes excertos: “Deram-lhe notícias de uma [cozinheira], famosa,<br />

vivendo no morro da Conquista. De mão cheia, dissera-lhe o informante, o espanhol Felipe, hábil no conserto<br />

não só de sapatos e botas, como de selas e arreios. Falador como só ele, temível adversário no jogo de damas,<br />

esse Felipe, de língua suja e coração sem fel, representava em Ilhéus a extrema-esquerda, declarando-se<br />

anarquista a cada passo, ameaçando limpar o mundo de capitalistas e de padres, sendo amigo e comensal de<br />

vários fazendeiros, entre os quais o padre Basílio. Enquanto batia sola cantava canções anarquistas e, quando<br />

jogavam damas, ele e Nhô-Galo, valia a pena ouvir as pregas que rogavam contra os padres. Interessara-se<br />

pelo drama culinário de Nacib” (Amado, [1958] 2006: 53); “Fora o sapateiro Felipe – boca suja de anarquista<br />

a praguejar contra os padres, tão educado quanto um nobre espanhol ao falar com uma dama – quem lhe<br />

ensinara aquela moda. A mais formosa das modas, dissera-lhe. Todas as muchachas em Sevilha usam uma<br />

flor roja nos cabelos...” (Amado, [1958] 2006: 155); “Mas foi a dor de Josué debruçar-se, inexplicavelmente,<br />

sobre o ombro castelhano e anarquista do sapateiro Felipe. O remendão espanhol era o único filósofo da<br />

cidade, de conceito formado sobre a sociedade e a vida, as mulheres e os padres. Péssimo conceito, aliás.<br />

Josué devorou-lhe os folhetos de capa encarnada, abandonou a poesia, iniciou fecunda carreira de prosador”<br />

(Amado, [1958] 2006: 222); “[na inauguração da União de Artistas e Operários – Liceu de Artes e Ofícios] O<br />

sapateiro Felipe falara na instalação, à qual compareceram as pessoas mais graúdas de Ilhéus. Exclamara,<br />

numa mistura de português e espanhol, ser chegado o tempo dos trabalhadores, nas suas mãos estava o destino<br />

do mundo. Tão absurda parecera a afirmação que todos os presentes a aplaudiram automaticamente, mesmo o<br />

Dr. Maurício Caíres, mesmo os coronéis do cacau, donos de imensas extensões de terra e da vida dos homens<br />

sobre a terra curvados” (Amado, [1958] 2006: 355).<br />

304

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!