26.03.2015 Views

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Rosario nunca se ajustou à Bahia, que continuava lhe parecendo uma terra de exílio, Nisto segue o<br />

exemplo dos pais, inadaptados à aventura da emigração. A nossa convivência matrimonial sempre<br />

esteve no quadro desse desajustamento. A primeira vez que expressou o desejo de retornar a<br />

Pontevedra, recordo-me, foi logo após o casamento, assim que os pais voltaram para a Espanha. O<br />

correr dos anos não venceu sua insatisfação, que é visível em todos os seus gestos e palavras. Não<br />

creio que terminemos juntos os nossos dias. Parece certo que, em hora não muito longínqua, tudo<br />

chegará ao desfecho e ocorrerá a separação de dois velhos, com as suas amargas conseqüências<br />

(Araújo, 1987: 47-48).<br />

No capítulo quarto, o autor narra a agonia que o “desastre de 1964” acrescentou aos<br />

derradeiros dias da vida de D. Ramón. Ele, mais uma vez, foi acossado pelo DOPS, de<br />

novo por causa de uma denúncia, provavelmente do galego José María Trigo, e sob a<br />

acusação de estar em posse de “material subversivo”, tendo, durante uma temporada, que<br />

abandonar Salvador e se abrigar no terreiro em que passara a residir do Carmo. Poucos dias<br />

após haver voltado a Salvador, falece. O autor menciona que, na alucinação que teve ao<br />

sofrer o infarto, D. Ramón vislumbrou que, morto, regressava à Galiza:<br />

Um féretro passou pelos seus olhos embaçados, seu próprio féretro. Depois o ataúde singrou o<br />

Paraguaçu, vogou pelo tempo para atingir Pontevedra da Galícia, o último porto, um cemitério sobre<br />

um verde monte, a olhar um vale azul. Som de cravo, som fúnebre, lento, na caixa de música. Uma<br />

badalada, um grito de sirena atravessando os ares. O sino em dobre final. Era a morte, de negras asas,<br />

as asas de Trigo, o abutre.<br />

Houve o passamento. O rosto imobilizou-se sobre o bloco de papel contendo rascunhos a serem<br />

transcritos no diário. A mão ainda morna de quase cadáver, o último movimento, tentara alcançar a<br />

borda da mesa, procurando o remédio que lá não estava. “Morreu solitário, aos 65 anos”, diria a<br />

lápide que alguém iria pôr sobre a sua cova rasa. Anônima dádiva, que se saberia ser de Consuelo<br />

Pousada (Araújo, 1987: 72).<br />

O cortejo que se formou para o sepultamento de D. Ramón foi muito modesto,<br />

formado só por Paco, D. Jaime e Consuelo. Os filhos não compareceram, pois estavam em<br />

São Paulo, em viagem de negócios. Ao regressarem a Salvador, eles foram até o escritório<br />

do pai e recolheram tudo o que lhes interessava. Deixaram os livros e os papéis de seu pai,<br />

incluindo as memórias, as qual foram apanhadas pelo autor. Ele, assim como o fora D.<br />

Ramón, acabará sendo também intimado pelo DOPS. Mas, ele, ao contrário do que se<br />

dissera de D. Ramón, será detido e torturado por trabalhar como jornalista em O Defensor<br />

do Recôncavo, periódico que “se aventurara a publicar uma tímida nota editorial favorável<br />

ao deposto Presidente João Goulart” e que “vinha veiculando comentários sobre a má<br />

314

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!