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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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No registro do 7 de novembro, diz dos aldeões galegos que trabalham como empregados do<br />

seu amigo: “Estas gentes são brutas a valer. Andam torpemente, parece que nem sabem<br />

mover os dedos, falam atropelando-se e com estridências que ferem os ouvidos, e têm um<br />

cheiro de cabelo molhado que repugna” (Las Casas, 1937: 13). O comportamento desses<br />

aldeões é de novo desprezado por Fernando na noite de Natal. Ele qualifica os cantos e o<br />

modo de celebrar essa noite pelos aldeãos no pátio do paço de “algazarra” e prefere se<br />

isolar no seu quarto fumando e bebendo brandy 558 :<br />

O páteo está cheio de aldeões que vieram cantar-nos pastorinhas: velhos, mulheres, crianças... Uns<br />

trazem pandeiros, outros batem conchas, outros tocam harmônica, numa algazarra de todos os<br />

diabos. Serviram-lhes vinho em abundância, e nozes, e avelãs, e castanhas, e figos secos, e pão de<br />

trigo. Bailam danças antigas e cantam quadras em que nos fazem as mais amáveis alusões.<br />

Longe de me aterrar, a festa aumenta meu tédio e acentua a minha tristeza. Luiz está recolhido no seu<br />

quarto e penso que, como eu, daria qualquer coisa para que acabasse este vozerio; há demasiado<br />

tormento na casa para suportar esta balbúrdia (Las Casas, 1937: 72).<br />

Uns dias após – 2 de janeiro – Fernando anota que, estando ele e Luiz taciturnos em<br />

um dos salões do paço, ouve ressoar pandeiros e gaitas “pela encosta do curral” e uma<br />

canção “inquietante”, “murcha, lânguida, úmida de orvalhos e de lágrimas” que ele<br />

transcreve usando uma outra ortografia: “Estreliña do luceiro/ a da miña claridade;/ vaise o<br />

dia, ven a noite,/ vaise a nosa mocidade” (Las Casas, 1938: 79). O 7 de janeiro volta a se<br />

referir ao som de pandeiros e às cantigas dos jovens campônios que ele ouve, à noite, do<br />

paço. Fernando registra no diário que percebera que esses moços também dançavam. Ele<br />

memorizara algumas letras e transcreve-as 559 , salienta que também rasgaram o ar os<br />

558 A caracterização de Fernando como um personagem distinto extrema-se por meio das anotações que faz no<br />

diário aos 25 de dezembro, quando ele aponta os vinhos e licores que escolhera para o almoço do Natal:<br />

“Consegui que celebrássemos o almoço de Natal senão com um menu extraordinário, ao menos com vinhos e<br />

licores de uma certa categoria. Bebemos dourado Oestricher Doosberg e cálido Château Mouton-Rothschild,<br />

inapreciável xerez Matusalém e Pôrto da Companhia Velha, e um bom Pomery 1920; Cordon Argent, de<br />

Martell, e um delicioso marrasquino Girolamo Luxardo que nunca tinha experimentado. Houvera preferido<br />

que o conhaque Courvoisier Napoleon e que os vinhos fossem alegre Chablis e purpurado Chassagne, mas,<br />

enfim!... O problema é beber. Os animais diferenciam-se de nós em que só bebem água” (Las Casas, 1938:<br />

73-74).<br />

559 Trata-se de seis fragmentos de cantigas (Las Casas, 1938: 85-86). Uma dessas cantigas é portuguesa: “Luar<br />

de janeiro,/ fria claridade,/ à luz dele foi talvez/ que a boca dum português/ disse a palavra saudade” e as<br />

restantes são galegas. Duas dessas cinco são só transcritas no seu diário pelo protagonista Fernando (“Tu no<br />

mar e eu no mar,/ ambos andamos perdidos:/ tu no mar dos meus pesares,/ eu no mar dos teus olvidos.// Non<br />

te cases con ferreiro/ que é mui malo de lavar,/ cásate con mariñeiro/ que ven lavado do mar.”); uma terceira –<br />

“Acordate miña amiga/ daquela noite de vran:/ tu contabas as estrelas.../ eu as areias do chan.” – é comentada<br />

salientando-se que era cantada por “um moço bilontra que quer apregoar aos quatro ventos a conquista fácil, e<br />

ainda saudosa, daquela noite”. De uma outra, iniciada com a quadra “Uma vez caí no rio,/ outra vez caí no<br />

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