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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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o qual, obviamente, não aconteceu com o corpus e os referentes simbólicos lorquianos. Entre as décadas de<br />

1930 e 1940, localizamos três produtos que retiraram do romance Don Quijote de la Mancha os motivos para<br />

a sua elaboração. Menotti Del Picchia, em 1926, publicou três poemas – Os moinhos de vento, O amor de<br />

Dulcinéa e O Ideal de Sancho –, reunidos no livro Amores de Dulcinéa (Picchia [1926] 1931), com a sua<br />

interpretação de temas contidos nesse romance. Em 1949, J. A. Pinto do Carmo comenta as anotações, no<br />

breve estudo Rui Barbosa e o Dom Quixote, que o “Águia de Haya” fizera nesse romance de Cervantes<br />

conservado na sua biblioteca, e o mineiro Francisco Campos lançou, em 1951, pelas Publicações da Secretaria<br />

da Educação de Minas Gerais o seu ensaio interpretativo da obra sob o título Atualidade de D. Quixote.<br />

Francisco Campos reflete a respeito de algumas passagens. Em um dos capítulos de Atualidade de D. Quixote,<br />

intitulado D. Quixote, Hamlet e Fausto, Francisco Campos faz um estudo comparativo entre as personagens<br />

do título, no qual conclui que Dom Quixote é uma personificação da impetuosidade da Espanha na época da<br />

monarquia absoluta dos Áustrias e da Contra-reforma: “Em Hamlet e em Fausto tudo é cogitação; em D.<br />

Quixote, tudo vontade. Naqueles o pensamento ou, antes, o fantasma de idéias que não conseguem tomar<br />

contato com a realidade. Em D. Quixote o pensamento prevê, prepara e conduz a ação. Naqueles inibição,<br />

reticências e negação. Em D. Quixote não há hesitação, subentendidos, tergiversações e negação. Todo ele é<br />

um sim categórico, afirmação, sair ao encontro, provocação e desafio. Enquanto eles dizem: “talvez, eu penso,<br />

ser ou não ser, antes não houvera nascido”, e pesam indefinidamente os mesmos pensamentos na balança<br />

imóvel do seu espírito, procurando fugir à ação no preciso momento em que parecem decidir-se por ela, pelo<br />

espírito de D. Quixote a decisão passou com a rapidez do raio e, já fora da bainha das reflexões, reluz a<br />

espada flamejante da sua vontade. Em Hamlet e em Fausto o tom é surdo e grave como o de um conciliábulo<br />

secreto. Em D. Quixote tudo é agudo: a figura, a inteligência, a percepção, a visão, o tom imperativo. É um<br />

canto de galo no alvorecer, a nota aguda do clarim no frio da madrugada, como a dizer – Eu quero! Assim, a<br />

Espanha do seu tempo, a Espanha imperial, a Espanha ascética, a Espanha mística, a de Carlos V e de Felipe<br />

II, a de Loiola, de Santa Teresa e de São João da Cruz” (Campos, 1951: 55-56). No último capítulo do livro,<br />

D. Quixote, homem para o mundo atual, Francisco Campos vale-se da trajetória de D. Quixote para tirar dela<br />

um paradigma de uma vida guiada pela emoção e o ideal e, a partir desse modelo, clama por uma<br />

transformação mundial do homem em que liberte o seu “imenso potencial de energia em estado de tensão”,<br />

isto é, a sua tensão afetiva e emotiva, podendo, em conseqüência, passar o homem à ação, momento em que o<br />

homem exteriorizaria a sua personalidade e poderia se conhecer melhor. E conclui: “Na falta de Deus, cuja<br />

presença e atualidade foi substituída por um conceito, o homem se entregou, para preencher o vazio da<br />

ausência divina, à criação de demiurgos, de semideuses e de subdeuses, às baixas superstições, às magias<br />

negras e às magias brancas, e, como se ainda não fosse bastante a altura da queda, acabou por se deixar<br />

fascinar por pseudos-mitos construídos em todas as peças por intelectuais céticos e relativistas, e através de<br />

cujo tecido de sofismas transparecem a mentira, o abuso moral, a degradação maquiavélica da inteligência<br />

que se propõe secretariar as massas para, traindo-as, conduzi-las ao aprisco de César. [...] As verdadeiras<br />

causas do descontentamento, da inquietação, da angústia do homem contemporâneo não são de natureza<br />

econômica e política. São de ordem emocional. A emoção perdeu os pólos, os símbolos, os ideais por onde<br />

dar vazão ao imenso potencial que se acumulou durante séculos de abstinência e privação. O mundo pede<br />

uma cruzada. Eis como, quando penso de mim para mim, (perdoai-me a indiscrição) imagino que poderia<br />

começar esse grande abalo ou esse grande escândalo de que o mundo tanto necessita. O Papa sairia na sua<br />

sede gestatória, acompanhado de todas as ordens, confrarias e irmandades; a massa dos peregrinos e dos<br />

penitentes seguiria. Uma imensa procissão, com as imagens, os emblemas, as flâmulas e os cantos adequados.<br />

Pelas aglomerações humanas por onde passasse essa nova cristandade, haveria cerimônias, celebrar-se-iam<br />

sacramentos e espetáculos litúrgicos, e se dariam, mais importante do que tudo, verdadeiros testemunhos de<br />

sacrifício, de humildade, de penitência, de misericórdia e de imitação de Cristo. As emoções contidas<br />

encontrariam em grandeza a libertação que pedem, o emprego que lhes falta, o ideal que quanto mais alto<br />

convém ao coração do povo. Lembrai-vos de Sancho quando dizia ser impossível que nenhumas<br />

circunstâncias pudessem separa-lo do seu amo a não ser a pá e a enxada do coveiro. Este nosso mundo de<br />

hoje, que é como Sancho abandonado por seu amo, reclama a volta de D. Quixote, por sentir que sem ele a<br />

sua vida não teria sentido. De todos os lados, sob os mais diversos nomes e as mais contraditórias aparências,<br />

o que o homem dos nossos dias pede e reclama, o que ansiosamente espera – é o retorno de D. Quixote. Eis a<br />

razão pela qual, mais do que se estivesse vivo e presente entre nós, D. Quixote é hoje de maior atualidade do<br />

que o era para os seus contemporâneos, quando percorria os insolados caminhos de Espanha” (Campos, 1951:<br />

81-86). Acreditamos que era antigo o interesse de Francisco Campos pelo Quixote. No breve estudo<br />

Cervantes en el Brasil, publicado em 1949, em São Paulo, pelo acadêmico José Carlos de Macedo Soares, no<br />

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