26.03.2015 Views

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

os povos, ainda aqueles grupos étnicos de mais vigoroso e acusado perfil, se descaracterizam e<br />

mistificam, perdendo quanto possuem de original e castiço, que é, nem mais nem menos, a sua única<br />

potencialidade criadora. Volvamos à arte e à literatura popular, volvamos à copla ingênua do cego<br />

romeiro, à antiga maliciosa do raposo e ao alegre traje centenário que, tal os bons vinhos, valorizam a<br />

sua qualidade no tempo (Las Casas, 1938: 124-25).<br />

Aos 10 de julho (Las Casas, 1938: 140-41), expõe no seu diário as razões pelas<br />

quais ama a Maria José. Ele considera-se um pouco velho; assinala que tem a pele<br />

“rugosa”, “os olhos cansados”, alguns “cabelos brancos”, mas, sobretudo, o que o faz se<br />

sentir velho é se saber apaixonado por uma moça que não é “nem muito bonita, nem muito<br />

inteligente, nem muito elegante”, mas que é “boazinha, e mais nada, de uma bondade doce<br />

e humilde, implorante”; ele confessa que, sobretudo, gosta dela porque a pode dominar com<br />

facilidade 573 . Antes ele gostara de mulheres “com grande personalidade”, “lindíssimas e<br />

elegantíssimas”, “superlativas”, provocadoras 574 ; agora ele expressa que, devido à perda de<br />

confiança em si mesmo, prefere às mulheres simples e submissas, como Maria José:<br />

“Porque a vejo desde o alto, porque com ela qualquer vitória está garantida. Vanitas,<br />

vanitatem et omnia vanitas. Miserável vaidade, roupagem da decadência, refúgio da<br />

573 A bondade de Maria José faz temer Fernando que ele não possa lhe oferecer a existência feliz que ela<br />

merece. Assim o manifesta no seu diário aos 12 de agosto (“Passei o dia bastante triste, quase decidido a<br />

partir, e confesso que foi de medo a não dar a Maria José toda a imensa felicidade que merece” Las Casas,<br />

1938: 153). Essa insegurança leva-o a compor para Maria José um soneto platônico em espanhol. Duvida em<br />

mandar-lho, pois receia se ela o entenderá, o qual, por sua vez, não o preocupa (“Já estou aborrecido das<br />

mulheres que o entendem tudo” Las Casas, 1938: 153). Afinal, registra-o no diário. A autoria do soneto deve<br />

ser de Álvaro de Las Casas quem o pode ter composto ad hoc. Fora do romance não localizamos nenhuma<br />

outra referência a esse poema. Eis o soneto: “Mis ojos que en tus ojos se miraron,/ cansados de mirar<br />

adormecieron,/ era tanta la luz que recibieron,/ que al fin – mis pobres ojos! – deslumbraron.// Ah mi sublime<br />

amor! Como cansaron/ mis pobres ojos que tus ojos vieron:/ nunca tan fatigados se sintieron/ como después<br />

de verte se quedaron.// Ay, desdichados ojos alma mía/ ahora cansados, tristes, doloridos,/ sin el claror que de<br />

tu voz venía!// Solo ven, en la angustia de quererte,/ los días hondos, largos y afligidos/ en que, lejos de ti, no<br />

podrán verte” (Las Casas, 1938: 153).<br />

574 Como conseqüência da reflexão que faz Fernando acerca dos motivos pelos quais gosta de Maria José, aos<br />

10 de agosto ele redige uns breves comentários em relação às mudanças do gosto dos homens sobre os<br />

estereótipos de beleza femininos. Aponta que essas mudanças, por um lado, se manifestam na passagem dos<br />

homens da adolescência à maturidade e, por outro, dependem da estética canonizada em cada época. Nesse<br />

sentido, na época contemporânea ao protagonista predominaria o gosto pela “mulher efebo”: “Faz vinte anos<br />

teria desprezado Maria José; gostava então, como todos os colegiais, das mulheres altas, grossas, angulosas,<br />

exuberantes, macias. Os rapazes vêem sempre as mulheres como um grande mar de carne em que a gente se<br />

deita como quem mergulha. Ao passar dos trinta anos, preferimos a mulher miúda, dura, de carne fria, de<br />

curvas apenas perceptíveis. Por que? Que o explique Freud. O que não tem dúvidas é que a mulher perfeita, a<br />

mulher madura, a mulher plenamente mulher, a mulher tipo Rubens ou Goya – digamos La maja desnuda –<br />

não consegue na nossa época olhares de riso ou de lástima; em nossos dias triunfa a mulher quanto menos<br />

mulher possível, a mulher efebo, a mulher que se penteia como os homens, e tem braços e pernas de homem,<br />

e peito e costas de homem; a mulher que reduz o sexo a proporções mínimas e a ilusão insignificantes. Enfim:<br />

isto que o explique Guide. Eu não quero dizer mais” (Las Casas, 1938: 152).<br />

822

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!