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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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O autor conta que, logo de Pepito Bermúdez haver assumido a sua afiliação<br />

franquista, esse personagem descobriu o que poderia ser a sua primeira profissão: professor<br />

de língua espanhola em um cursinho. Com ela, ganhou o respeito da colônia galego que,<br />

por patriotismo, tomou aulas dele. Até então, essa colônia desprezara-o por carecer de<br />

recursos econômicos e não exercer ofício algum. O autor narra esse episódio como se<br />

segue:<br />

Para provar lealdade ao novo regime, rudes galegos freqüentavam a sua escola e voltavam a soletrar<br />

as primeiras letras no idioma de Cervantes, depois de terem-nas perdido no galego materno e no<br />

português de adoção, como efeito da dura labuta atrás dos balcões em terras baianas, na esperança<br />

de, futuramente, embarcarem para a Galícia exibindo uma fortuna que a estreiteza da vida galega não<br />

lhes havia consentido conquistar, antes da migração. Em tempos vindouros, já inválido numa cadeira<br />

de rodas, após um derrame que lhe emperraria a fala, Pepito consagrou-se por inteiro às belas-letras.<br />

Pôde, ainda, burilar os seus sonetos ibéricos. Não aspirando às culminâncias da Real Academia<br />

Espanhola, sequer da Academia de Letras da Bahia, encaminhou-nos à apreciação da Academia de<br />

Letras e Civismo do Recôncavo, esperando vê-los impressos em cachoeira, sob o título rutilante de<br />

Franco, el sol de Castilla y Galicia, que lhes dera. Quando, nem me lembra, já adulto e secretário da<br />

academia, encontrei-os por acaso numa gaveta da minha escrivaninha, com um aparecer do<br />

presidente: “Ao secretário André Pérez, para arquivar ou devolver à família”. Tentei lê-los, não me<br />

passaram pelo filtro crítico. Mostrei-os a meu pai. Ele comentou: “Pepito, sí, me recuerdo de él. Leía<br />

poesías en un programa de radio. Nunca las entendí” (Araújo, 1987: 13).<br />

O autor refere-se também à morte desse poeta e professor logo da prostração à que o<br />

obrigara um derrame. Narra que ele estipulara no seu testamento que o enterrassem em um<br />

cemitério consoante a sua ascendência germânica, mas assinala que seus filhos, plenamente<br />

aculturados no Brasil e que “não queriam nem ouvir falar em coisas de Espanha”, não<br />

respeitaram essa vontade, havendo-o sepultado em uma vala comum para poupar gastos:<br />

Pepe Bermúdez finalizava a existência, deixando em testamento outro pedido também denegado:<br />

“No habiendo en Bahia – dizia o seu testamento – un honesto cementerio castellano o gallego donde<br />

reposar mis huesos, pido y suplico a mi familia y a mis pósteros, en nombre de Dios, depositarlos en<br />

el cementerio de los alemanes”. O manuscrito, em quase indecifráveis garranchos de enfermo,<br />

enfiava uma série de razões para a derradeira vontade de Pepito, algumas de fundamento político –<br />

“los alemanes, aquellos heroicos campeones de la guerra santa contra el bolchevismo y hermanos de<br />

lucha del Gran Caudillo”. Outras eram de ordem pessoal e fantasista. Tinha certeza o testador que os<br />

seus longínquos ascendentes galegos haviam sido da boa cepa dos germanos-suavos, nas trevas da<br />

Idade Média alojados na Península Ibérica. “Moros no han sido, bien lo siento en mi sangre, Dios no<br />

lo quiso, ni Santiago”, lia-se no manuscrito. Um deles, não sabia se suevo ou de que rama de<br />

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