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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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assim, a mão-de-obra de uns escravos ameríndios e africanos que, durante séculos, fizeram<br />

com que os trabalhos da lavoura fossem considerados trabalhos ínfimos:<br />

Quando todos os italianos estavam conferidos, o homem que ordenara a chamada distendeu o<br />

pescoço sobre a gola da farda e arengou no idioma daqueles a quem se dirigia: “O Estado de S. Paulo<br />

orgulhava-se de possuir a legislação mais completa, mais liberal e humana de todas as que existiam,<br />

nos outros países, sobre imigração. Riquíssimo, com terras de uma fertilidade assombrosa, onde a<br />

natureza se encarregava de facilitar o trabalho do homem, S. Paulo dispensava aos imigrantes uma<br />

proteção eficaz, desde que eles chegavam a Santos até encontrarem maneira de ganhar a vida. O<br />

Estado transportá-los-ia, hospedando-os e, por fim, colocando-os, com a única condição de que se<br />

entregassem a trabalhos de lavoura” (Castro, [1928] 1954: 120).<br />

Nesse romance, a alienação nas representações coletivas do imigrante mediante a<br />

transubstanciação em força de trabalho é o anelo do pária. O marginal anseia que se tolere a<br />

sua presença, sendo admitido como estrangeiro de direito, e chega a explorar o afeto dos<br />

seus interlocutores assegurando-lhes que o seu único desejo é ser tolerado pela sociedade<br />

receptora para se submeter à ordem vigente e poder agir como um bom trabalhador:<br />

O copeiro descobrira dois homens. Olhando-os de alto a baixo, em pesquisa de nacionalidade, o<br />

comissário perguntou-lhes, numa mescla de espanhol e inglês, ode tinham embarcado.<br />

– Em Vigo.<br />

– E os passaportes?<br />

– Não temos...<br />

Trêmulos, dando às palavras um tom de humildade, reconstituíram, ante as interrogações secas do<br />

britânico, a aventura do embarque.<br />

Um, o mais novo, era português do Minho: Manuel António de Sousa, ingressado em Espanha à<br />

procura de melhor sorte – e com fome, dias depois, nas ruas de Vigo. O outro era bilbaíno: operário<br />

de metalurgia, despedido por motivos de greve. Viera à Galiza em busca de trabalho, mas também ali<br />

não o encontrara e só ouvia falar na Argentina. [...] Que não lhes fizessem mal; eram pobres de<br />

Cristo, braços sem trabalho e queriam apenas ir ganhar a sua vida, que em Portugal e Espanha um<br />

pobre não podia viver (Castro, [1928] 1954: 102).<br />

Aqueles que, apesar de não terem a documentação em regra, de carecerem de papéis<br />

– cartas de chamada, contratos, vistos –, desejam trabalhar, aceitam se tornarem<br />

juridicamente invisíveis na sociedade de recepção e se acostumam a sobreviver em regime<br />

de exploração. A tolerância da presença de trabalhadores ilegais dependerá, afinal, da<br />

equação entre os efeitos qualitativos gerados pela mão-de-obra que eles fornecem e o risco<br />

de engrossamento da marginalidade, ao qual se acrescentam os custos assistências que eles<br />

sempre acabam gerando. Além disso, a proclividade dos trabalhadores ilegais à submissão<br />

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