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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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Ressurreição e morte na fortaleza. Trata-se do único produto narrativo baiano em que os<br />

galegos, como colônia, são literaturados e motivam o argumento. Nelson de Araújo criou<br />

um autor onisciente – André Pérez –, filho de um imigrante galego, que conhece a biografia<br />

do protagonista principal, o relojoeiro Ramón Fernández y Fernández, tanto por ter<br />

convivido com ele – seu pai e Ramón Fernández fizeram juntos a viagem de navio da<br />

Galiza à Bahia –, quanto por ter lido as memórias que Ramón Fernández y Fernández<br />

deixou escritas em castelhano, iniciadas logo após ele perceber que o regime franquista se<br />

manteria ao acabar a II Guerra Mundial.<br />

O autor onisciente, anônimo, finaliza com as palavras abaixo o seu relato. O<br />

encerramento deve-se à morte do principal protagonista: “Foi o que vi. Quando me libertei,<br />

compreendi tudo. ‘É necessário pensar. É necessário pensar... Se não pensas, não serás<br />

homem’, foram as primeiras palavras que don Ramón me dirigiu” (Araújo, 1987: 79). Há<br />

empatia entre o autor e o protagonista. O autor relata a vida de D. Ramón como se o<br />

comportamento por ele seguido fosse um modelo de retidão pelo seu idealismo e pela sua<br />

honestidade. Contudo, a trajetória do protagonista, embora honorável, assinala a<br />

concatenação de fracassos a que conduziu o compromisso com projetos que não contaram<br />

com o apoio da maioria da sociedade soteropolitana e com a contundente rejeição dos<br />

imigrantes galegos. Assim, se D. Ramón é destacado pelo autor por ser um personagem<br />

ilustrado e bondoso – um homem que pensava –, o conjunto dos imigrantes galegos é<br />

caracterizado como uma colônia de sujeitos ignorantes, mesquinhos e cobiçosos, além de<br />

atrapalhados na fala, só preocupados com lucro nos seus negócios e com a projeção das<br />

imagens de gente ordeira que satisfizessem à elite baiana e aos seus encarregados pela<br />

segurança pública. Nesse sentido, frente a D. Ramón, apresentado como “homem”, e como<br />

a exceção entre os seus patrícios, os imigrantes galegos, por serem broncos e maus, são<br />

retratados como não-homens capazes de qualquer impostura com tal de prosperar. Para o<br />

autor, pelo contrário, D. Ramón apaixonadamente escolheu ter “uma vida galega em exílio,<br />

em exílio na própria vida, casta, como era a sua, de traições e ganâncias” (Araújo, 1987:<br />

12). A excepcionalidade mostra-se já no início do primeiro capítulo – Mouros em Espanha<br />

– da novela:<br />

Quando Barcelona caiu, “el Cenáculo” teve o seu último encontro, sem ata nem solenidade que lhe<br />

perpetuasse a memória. Como de costume, reuniu-se no sobrado do Largo dos Aflitos, onde morava<br />

o relojoeiro don Ramón Fernández y Fernández, galego de exceção, a quem nunca atraíram as<br />

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