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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE ...

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Ao igual que Abdelmalek Sayad, Julia Kristeva examina o objeto imigrante<br />

contemplando as representações sobre ele criadas, incluindo as imbuídas de religião e<br />

moral; todavia, Kristeva procura a estruturação das representações acerca de um estrangeiro<br />

genérico e diacrônico com vistas a poder inferir, nas sociedades de acolhida, as atitudes<br />

predominantes derivadas do encontro com a alteridade. Eis a primeira definição que<br />

Kristeva faz do estrangeiro:<br />

Estrangeiro: raiva estrangulada no fundo da minha garganta, anjo negro turvando a transparência,<br />

traço opaco, insondável. Símbolo do ódio e do outro, o estrangeiro não é nem a vítima romântica de<br />

nossa preguiça habitual, nem o intruso responsável por todos os males da cidade. Nem a revelação a<br />

caminho, nem o adversário imediato a ser eliminado para pacificar o grupo. Estranhamente, o<br />

estrangeiro habita em nós: ele é a face oculta da nossa identidade, o espaço que arruína a nossa<br />

morada, o tempo em que se afundam o entendimento e a simpatia. Por reconhecê-lo em nós,<br />

poupamo-nos de ter que detestá-lo em si mesmo. Sintoma que torna o “nós” precisamente<br />

problemático, talvez impossível, o estrangeiro começa quando surge a consciência de minha<br />

diferença e termina quando nos reconhecemos todos estrangeiros, rebeldes aos vínculos e às<br />

comunidades (Kristeva, 1994: 9).<br />

Kristeva, assim como Sayad, também define o estrangeiro [o imigrante e o nãoimigrante]<br />

como um problema econômico, social e político que tem que ser resolvido pela<br />

via administrativa 125 . Trata-se de um problema prático, quase trivial na sua essência, que<br />

gera alguém – um outro homem, o, a priori, não-cidadão – que, do jus solis e do jus<br />

sanguinis, não faz parte do grupo. O grupo terá que decidir, portanto, se o beneficia com a<br />

concessão de poder político e com direitos legais, ou se o exclui.<br />

Como tal problema, o estrangeiro é, em primeiro lugar, um problema jurídico, pois<br />

ele é um sujeito que não tem a cidadania do país que habita. Ao estrangeiro, no entanto, do<br />

poder público da sociedade receptora, deixam-se abertas vias para que se incorpore e se<br />

integre juridicamente nessa sociedade. Ele, se demonstrar, comportando-se como um<br />

trabalhador, que merece alcançar a igualdade de oportunidades que o Estado Nação tenta<br />

garantir aos cidadãos nacionais, poderá, sem ser uniformizado nos campos sociais<br />

nacionais, ser tolerado como um cidadão extraordinário sob um estatuto especial e poderá<br />

125 Julia Kristeva (1994: 108), citando Danièle Lochak (1985), além de identificar o estrangeiro com “um<br />

problema”, reconhece no estrangeiro “um sintoma”: “psicologicamente, ele [o estrangeiro] significa a nossa<br />

dificuldade de viver como outro e com os outros; politicamente, assinala os limites dos Estados-nações e da<br />

consciência política nacional que os caracteriza e que todos nós interiorizamos profundamente, ao ponto de<br />

considerar como normal que existam estrangeiros, isto é, pessoas que não têm os mesmo direitos que nós”.<br />

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